segunda-feira, 24 de fevereiro de 2025

Do luxo ao lixo: a triste queda do Honda Civic no mercado brasileiro

Por Yuri Ravitz

Honda Civic já foi querido do mercado e sonho dos brasileiros. Hoje é mico.
A atual geração marcou o começo da queda do Civic no Brasil. Foto: Divulgação

Ele já foi sucesso de público e de crítica, estrela de cinema e o sonho sobre rodas de inúmeros jovens; hoje é tratado com desdém pelo próprio fabricante, foi esquecido pelo mercado e é visto como um mico devido ao seu posicionamento. Estamos falando do Honda Civic, modelo que já foi um dos sedans médios mais bem-sucedidos do mercado brasileiro e que hoje sofre para conseguir índices pífios de vendas. Confira um pouco da trajetória do ex-sucesso japonês nos parágrafos abaixo.

Esse foi o primeiro Civic que os brasileiros conheceram de forma oficial. Foto: Wikipedia

O começo de tudo

A história completa do Honda Civic é riquíssima e teve início nos saudosos anos 70, mas nós vamos avançar duas décadas até 1992, ano em que o japonês começou a ser oferecido oficialmente pela primeira vez no Brasil. Na época, a quinta geração havia sido apresentada ao mundo um ano antes e vinha ao mercado brasileiro somente por importação dos EUA, comercializada nas três carrocerias disponíveis: sedan, hatch e coupé. Foi esse o modelo que viu sua popularidade explodir logo no começo da década de 2000 graças ao primeiro filme da franquia Velozes e Furiosos; os três Civic coupé pretos com carroceria customizada e neon verde brilhando por baixo enlouqueceram toda uma geração que saiu dos cinemas sonhando com eles.

Este é o primeiro Civic fabricado no Brasil. Foto: Caio Mattos

Abrasileirado com sucesso

A sexta geração nasceu em 1996 e, por algum tempo, continuou vindo ao Brasil somente por importação; alguns exemplares nas carrocerias coupé e hatch também vieram, mas em um volume muito menor do que antes. Já em 1997, a Honda decidiu começar a fabricar o Civic em solo nacional, porém, apenas na carroceria sedan - o japonês nacionalizado sairia da então nova fábrica de Sumaré, no estado de São Paulo. Desde então, o três-volumes ganhou relevância e participação de mercado no nosso país, começando uma trajetória de sucesso e índices cada vez maiores de vendas.

Versão esportiva Si é cultuada até os dias de hoje. Foto: Divulgação

Eternos ícones

A produção nacional seguiu pelas gerações seguintes como a sétima e a oitava que, para muitos, é a melhor de todos os tempos. Foi a era do então "New Civic" que marcou uma revolução na trajetória do sedan japonês; o estilo futurista se expressava tanto no design externo quanto no interno, causando furor na concorrência e elevando o status do Civic a um novo patamar. Também foi nessa geração que, pela primeira vez, a icônica versão esportiva Si passou a ser oferecida no Brasil; seu motor 2.0 aspirado de até 192cv e 19,2kgfm cortava giro acima dos 8.000rpm e levava o esportivo de 0 a 100km/h em 7,9 segundos, atrelado sempre a uma caixa manual de seis velocidades. Era um dos carros nacionais mais rápidos do seu tempo e é um esportivo cultuado até os dias de hoje.

Modelo de décima geração foi tão revolucionário quanto o da oitava geração. Foto: Divulgação

O último herói

A produção nacional seguiu pela nona geração e foi até a décima, lançada em meados de 2016. O Civic G10 foi tão ou mais revolucionário do que o "New Civic", pois adotou um estilo inédito de coupé alongado com quatro portas, trazendo um caimento suave das colunas C que interligam o teto até a extremidade traseira da carroceria. Outras grandes inovações foram a adoção de uma transmissão automática do tipo CVT e, para a versão topo-de-linha Touring, motor 1.5 turbo, ambos elementos inéditos em um Civic oferecido no Brasil. Nós chegamos a avaliar um exemplar da versão EXL já com a reestilização da linha 2020, um ano antes do modelo derradeiro que também marcaria o fim da produção nacional do japonês.

Décima-primeira geração é vendida desde 2023. Foto: Divulgação

A grande depressão

Após um hiato de pouco mais de um ano, a Honda do Brasil decidiu voltar a vender o Civic em solo nacional no começo de 2023, mas em circunstâncias muito diferentes de antes. Além do atraso de quase dois anos, uma vez que a produção da décima-primeira geração do sedan começou lá fora em 2021, o Civic voltaria a ser oferecido unicamente como importado no mercado brasileiro - dessa vez, trazido da Tailândia. Também passou a ser vendido em versão única com uma inédita motorização híbrida e o preço tabelado em R$244.900, posicionando-se como o Civic mais caro da história no Brasil. Desde então, o modelo nunca recebeu novidades e o valor de tabela seguiu crescendo, chegando aos atuais R$265.900 - exatos 21 mil reais de aumento sem quaisquer alterações em equipamentos, tecnologia ou mecânica; em outras palavras, sem uma justificativa favorável ao consumidor.

Estilo da décima-primeira geração divide opiniões. Foto: Divulgação

As qualidades do modelo atual são inquestionáveis: o conjunto híbrido consegue médias de consumo superiores a 20km/l sem esforço e ainda garante um ótimo desempenho, levando o três-volumes de 0 a 100km/h em menos de 7 segundos. O problema é que nada disso consegue contornar a situação lamentável do sedan: foram apenas 1.677 unidades comercializadas em todo o ano de 2024, primeiro ano "cheio" de vendas da geração atual. Isso representa uma parcela ínfima em comparação a gerações anteriores nas quais o Civic conseguia emplacar mais de 40 mil unidades ao longo de um ano e, para piorar, o posiciona bem abaixo dos rivais no mesmo período como o BYD King com 4.820 unidades, o Nissan Sentra com 6.013 vendas e o Toyota Corolla com mais de 37 mil carros vendidos. Na verdade, a situação do Civic consegue ser pior até mesmo que a do Volkswagen Jetta, vendido unicamente na versão esportiva GLI, responsável por 2.814 unidades no acumulado do ano passado. Os dados são oriundos da FENABRAVE.

Silhueta do modelo G11 é um meio-termo entre coupé e sedan. Foto: Divulgação

Se o novo Civic é tão bom, por que não consegue emplacar? A resposta pode ser encontrada na postura da própria Honda que, aparentemente, não achou que o modelo continuasse digno da atenção que recebia. Se realmente for isso, não seria a única decisão ruim da divisão brasileira da marca que também optou por trazer os novos Accord e CR-V, igualmente ignorados pelo público, bem como o inédito ZR-V que é um absoluto mico em sua categoria. Não adianta ter bons produtos e uma atitude que não acompanha o mesmo nível de qualidade deles, uma verdade que o consumidor brasileiro já percebeu e dá sua resposta tratando a montadora com quase o mesmo desdém que ela tem demonstrado pela maioria de seu portfólio nacional. O único que consegue não se enquadrar nisso é o HR-V, posicionado como o 7º SUV mais vendido do Brasil no ano passado com pouco mais de 50 mil unidades comercializadas.

Avaliamos uma unidade do HR-V Touring no ano passado. Foto: Yuri Ravitz

Os fatos deixam a nítida impressão de que, para a Honda do Brasil dos tempos atuais, a trajetória e a solidez conquistadas com os anos de serviço não têm a menor importância: você só terá valor e será digno de atenção se render bons números, caso contrário, esqueça. É triste ver uma empresa com tantas décadas de mercado agir dessa forma, porém, tudo pode ser apenas uma tentativa desesperada (e nada inteligente) de cortar custos após os grandes prejuízos do ano passado: somente no mercado chinês, um dos mais poderosos atualmente, a Honda teve 30% de queda nas vendas e, como consequência, 35% na diminuição da produção, de acordo com o The Japan Times. Ainda segundo o portal, os números globais da montadora também foram ruins em 2024 com as vendas caindo 4,6% e a produção sofrendo significativos 11% de queda.

Mediante tudo isso, sabendo que a corda está no pescoço da marca, nós torcemos para que ela volte a apresentar bons números e assim, quem sabe, torne a olhar com verdadeiro carinho para aqueles que ajudaram a fazer seu nome através dos anos como o "finado" Civic e os demais produtos ignorados no processo.