Portfólio de modelos da MINI da década passada. Foto: Divulgação |
O mercado automotivo global movimenta bilhões em dinheiro todos os anos e é, sem dúvidas, um dos segmentos mais importantes da indústria em muitos países. Acontece que, apesar da grana envolvida, não dá para falar de carros e pensar somente nesse aspecto: há emoção, diversão, imagem, história e outros tantos fatores envolvidos no meio, especialmente se você se considera um entusiasta da coisa toda. Não há como falar em automóveis olhando apenas para o lado financeiro e as montadoras sabem disso, portanto, alguns produtos surgem esporadicamente para enaltecer esse lado mais "fervoroso e emocional" das marcas.
É aí que entram os carros de nicho, um termo que volta e meia aparece em nossas matérias de avaliação semanal e que pode não ser tão óbvio para alguns leitores. A ideia é: a maioria esmagadora dos carros comuns é pensada para atender ao máximo possível de clientes, afinal, o objetivo é vender muito, superar os concorrentes e trazer grande retorno financeiro ao fabricante. São produtos que combinam (ou tentam combinar) as características mais procuradas pela maioria dos consumidores: economia, desempenho, segurança, espaço interno, entre outras.
Os carros de nicho, por outro lado, não são feitos com essa missão. Eles abrem mão de grandes retornos financeiros ou altos índices de vendas em prol de mostrar o "poder" da montadora, atuando como vitrines que expõem o melhor de suas capacidades mecânicas, criatividade estilística e avanços tecnológicos. Não é à toa que também são conhecidos como "carros de imagem", pois costumam ser mais caros do que produtos parecidos, nivelando-se a veículos que são teoricamente superiores do ponto de vista mediano, ou seja, que valem mais a pena diante do que se paga.
Para você entender melhor, vamos aproveitar o Fiat 500e que avaliamos no começo do mês e criar um cenário hipotético entre ele e outros produtos da marca. O subcompacto elétrico custa R$214.990 pela tabela atual, mas encostava nos 240 mil quando estreou em 2021; pelo preço de hoje, ele está R$2.000 mais caro do que um Toro Ranch ou Ultra e 5 mil reais mais barato do que um Titano Endurance. A leitura que o grande público faz é a de um subcompacto pequeno e apertado, cujo preço fica no mesmo patamar de picapes com motor turbodiesel e muito mais possibilidades de uso. Em outras palavras, o 500e não faz o menor sentido do ponto de vista financeiro.
Na verdade, ele nem quer fazer. Seu alto preço também se deve ao fato de vir importado da Itália, porém, o X da questão é que ele se posiciona como o carro de imagem/nicho da montadora em solo nacional: além de ser o único produto 100% elétrico da sua gama de passeio no país (há o e-Scudo entre os comerciais), ele combina essa característica ao visual fora da caixinha e a um nível de qualidade construtiva que os Fiat nacionais desconhecem para entregar uma experiência única dele, além de vir somente na versão mais completa possível. Resumindo, é um luxo feito para quem pode bancar e não está preocupado em levar "o melhor pelo preço certo".
Alguns dos últimos modelos de nicho que avaliamos no site. Foto: Yuri Ravitz |
Outro exemplo bem claro de carro de nicho é o Mitsubishi L200 Triton na versão Savana, uma configuração especial voltada ao off-road que acompanha todas as gerações da picape japonesa e que mesmo não valendo a pena financeiramente, tem público cativo. Avaliamos a atual geração do utilitário em março desse ano e foi possível perceber o porquê do sucesso entre seu grupo de fãs, mesmo tendo uma versão mais equipada e até mais barata como a HPE-S no portfólio. Por ser preparada de fábrica para encarar condições pesadas, a Savana traz pneus especiais, snorkel funcional e outros elementos que acabam por comprometer o conforto no uso diário, ou seja: assim como o 500e, não faz sentido financeiramente falando, mas é um luxo/diversão feito para quem pode bancar esse "extra" e não está preocupado em fazer a melhor compra do mercado. Ainda falando de picapes, outro ótimo exemplo é o Ford Ranger Raptor que custa R$466.500, encostando nos R$479.990 do F-150 Lariat que é bem maior e mais luxuoso, porém, não oferece nem a metade das capacidades do Raptor menor.
Poderíamos citar outros infinitos exemplos de modelos de nicho que não fazem o menor sentido financeiro dentro dos portfólios de suas marcas, mas que são altamente competentes em suas propostas. Que tal o Honda Civic Type R que, por R$429.900, é o carro mais caro da marca no país, custando bem mais do que os superiores Accord e CR-V? Ou o Toyota GR Corolla que, na configuração mais cara, supera os R$447.590 do "titânico" SW4 GR-Sport? São dois hatches médios de concepção esportiva, muito poderosos no que se propõem, mas que custam mais do que modelos maiores, superiores na hierarquia das montadoras e melhores para um uso geral. A essa altura do campeonato, já é possível perceber que o carro de nicho é feito para ser exótico e mostrar coisas como apreço pela marca, poder de escolha, entre outras que um veículo convencional dificilmente pode fazer igual.
Como tudo na vida, a resposta dessa pergunta depende de qual ponto de vista você analisa. Financeiramente falando, a resposta será quase sempre um "não" firme e direto, pois é muito dinheiro investido em um produto de uso mais restrito devido a suas peculiaridades. Mercadologicamente falando, a análise se torna um pouco mais flexível: existem carros de nicho muito bem-sucedidos e aceitos na praça como os modelos da MINI (Cooper, Countryman, etc.) ou a geração passada do Fiat 500, entre outros.
Se, por outro lado, você quer o máximo em capacidade fora-de-estrada, um esportivo pronto de fábrica com toda a garantia possível ou um carro de visual exótico para sair da mesmice, os produtos de nicho começam a fazer sentido por preencherem esse desejo pessoal com excelência. Normalmente caem muito bem como o segundo carro da casa ou brinquedo de fins de semana, mas uma coisa é certa: nenhum dos outros modelos que você compraria com o mesmo dinheiro de um carro de nicho lhe entregará a mesma experiência.