Tesla Model X e Model S. Foto: Divulgação |
Os carros elétricos estão entre nós e já fazem parte do cotidiano do brasileiro. É possível ver modelos variados circulando pelas ruas das grandes cidades todos os dias e, inclusive, já existem opções com preços competitivos o bastante para despertar a dúvida nos consumidores: afinal de contas, é hora de abandonar a combustão e partir para a eletrificação? Um veículo 100% elétrico atenderia minhas necessidades da mesma forma ou, quem sabe, até melhor do que um convencional?
A promessa de uma vida sobre rodas mais econômica e silenciosa, conectada com as últimas tendências globais, é altamente tentadora e enche os olhos de muitos, entretanto, não basta simplesmente vender seu carro a combustão e correr para a concessionária de elétricos mais próxima; esse tipo de veículo ainda é rodeado de mitos, dúvidas e questões especiais que pedem atenção redobrada antes da compra para que você não transforme um sonho em pesadelo.
Pensando nisso, decidimos fazer um compilado de questões que você deve considerar com muito carinho antes de optar por um veículo elétrico. Não basta comparar preços e calcular o quanto economizaria por deixar de gastar com combustíveis: o assunto é mais complexo e delicado do que se pode imaginar.
Carregar um carro elétrico ainda é algo demorado, mesmo nas raras estações rápidas que existem em solo nacional. Foto: Yuri Ravitz/Volta Rápida |
Eu terei tempo e local para carregar meu futuro carro?
Esse é, sem sombra de dúvidas, o tópico mais importante que deve ser pensado a respeito. Abastecer um carro comum é, sob circunstâncias normais, trivial e rápido: você encosta perto da bomba, diz ao frentista quanto quer colocar, espera alguns poucos minutos, paga e vai embora. A situação é completamente diferente com um veículo 100% elétrico, a começar pelo fato de que você tem a possibilidade de "abastecê-lo" em casa - isso SE o carro em si comportar esse tipo de recarga (e não são todos que permitem) e SE o local onde você mora permitir que essa recarga seja feita nessa circunstância. Pessoas que moram em prédios mais antigos e/ou com normas mais rígidas podem ter problemas ou até mesmo ficar impossibilitadas de recarregarem seu EV ao chegar em casa, ou seja, sendo obrigadas a contar com as estações públicas de recarga.
E é pensando nessas estações que você deve considerar outros pontos igualmente importantes. O primeiro é que, apesar dos muitos investimentos que empresas de diversos segmentos têm feito na instalação de estruturas de recarga, a grande maioria desses pontos ainda se concentra na região sudeste, nos eixos que conectam as capitais de um estado a outro ou, dentro dos estados, nas rodovias que interligam as cidades principais (leia-se "mais conhecidas"). Como é a oferta de estações de recarga no seu trajeto habitual? Essas estações estão em condições de uso? Lembre-se que, caso a recarga em sua residência seja impossível, você precisará gastar um bom tempo dependendo dessas estações e, mesmo nas de carga rápida (que ainda são raríssimas), prepare-se para perder não menos do que 20 a 30 minutos - dependendo do quanto você quiser/precisar carregar, é claro.
O segundo é: para que essa demora seja um pouco menor, você precisa dar a sorte de chegar e encontrar a estação vazia, o que já não é tão fácil de acontecer. A grande maioria dos pontos conta com apenas dois conectores e, segundo levantamentos recentes, calcula-se que a taxa de carros elétricos por carregadores disponíveis no Brasil esteja, atualmente, na proporção de 19:1 - 19 carros para 1 estação. Resumindo a ópera: se você tiver como carregar em casa, ótimo. Se não tiver, talvez seja melhor desconsiderar esse tipo de veículo por enquanto. As estações públicas de recarga servem mais como uma medida emergencial do que como algo com o qual você pode contar quando precisar. Por fim, verifique se o carregador portátil (também chamado de emergencial ou doméstico) está incluso no preço do veículo: pode ser necessário adquiri-lo à parte.
Arquitetura elétrico do Renault e-Kwid. Foto: Yuri Ravitz/Volta Rápida |
Eu ainda tenho que fazer manutenção nele?
É verdade que a manutenção de um carro elétrico tende a ser mais simples e barata do que em um modelo convencional, afinal de contas, não existe um motor com todos os seus acessórios e periféricos ali. Porém, um carro não é feito apenas de motor, o que significa que você ainda precisa se preocupar com a manutenção e a verificação periódica de determinados aspectos do seu possível futuro EV. Suspensão, freios, direção, rodas, pneus, iluminação, equipamentos, filtro de cabine para o ar condicionado, fluido de arrefecimento da parte elétrica... na verdade, a própria parte elétrica pode demandar verificação e cuidados caso o uso do veículo seja mais severo.
Por fim, o plano de revisões periódicas ainda existe, contudo os intervalos delas podem ser diferentes dos de um carro convencional; é necessário se informar diretamente com o concessionário ou no manual do proprietário. Resumidamente, não pense que se livrará dos custos e obrigações de manutenção ou revisão ao comprar um elétrico: eles ainda existirão e precisam ser respeitados para garantir o pleno funcionamento do veículo. Inclusive, é justamente pelo fato dos pneus e freios serem mais exigidos nesse tipo de carro (devido ao peso elevado do conjunto elétrico e as acelerações mais imediatas) que esses componentes pedem atenção redobrada.
Dirigir um carro elétrico requer mudança de hábitos e percepções. Foto: Yuri Ravitz/acervo pessoal |
Preciso mudar minha forma de direção?
Na teoria, conduzir um veículo totalmente elétrico é a mesma coisa de dirigir um carro automático convencional: há dois pedais (freio à esquerda, acelerador à direita) e, na maioria dos casos, um seletor de marcha com as posições P, R, N e D - alguns veículos não trazem o P enquanto outros acrescentam o B, mas isso não é assunto para agora. O fato é que, na prática, a direção segura e eficiente de um EV exige um certo reaprendizado mesmo para os condutores mais experientes.
Isso se deve ao fato de não haver um motor convencional debaixo do capô, tampouco uma caixa de marchas que pode ser passada ou reduzida. O único elemento dosador da performance do carro é o pé do motorista no acelerador, portanto, saber moderá-lo é a chave para o sucesso. Os carros elétricos se aproveitam das frenagens para recuperar um pouco da energia gasta na direção, ou seja: a autonomia tende a ser melhor no ambiente urbano. Em viagens por rodovias, a autonomia piora por conta da média mais alta de velocidade e da quantidade menor de frenagens - tenha em mente que, quanto mais rápido você quiser andar, mais energia gastará e, consequentemente, menos autonomia terá para chegar onde deseja.
É importantíssimo levar isso em conta antes de pensar em cair na estrada com um EV, pois dificilmente ele terá toda a autonomia estimada pelo fabricante nessa circunstância (além da questão dos pontos de recarga que citamos anteriormente). Outro ponto é que, por padrão, os motores elétricos funcionam de maneira inversa aos de combustão interna quando o assunto é entrega de desempenho: um motor convencional entrega seus máximos de potência e torque em rotações/velocidades mais altas, porém, um elétrico só consegue entregar seu máximo de torque em velocidades mais baixas - a partir de uma certa velocidade, a força da aceleração tende a cair, portanto, é interessante conhecer o comportamento do seu EV antes de se aventurar em ultrapassagens e outras manobras que exijam rapidez. Entregar uma aceleração bruta na hora de sair da imobilidade não significa necessariamente que será assim o tempo inteiro.
Revenda de carros elétricos ainda é uma incógnita, mas não promete ser das melhores. Foto: Reprodução |
Como será na hora da revenda? A aceitação é boa?
Ainda é relativamente cedo para falar sobre revenda de EVs no Brasil, mas é importante frisar que algumas marcas recém-chegadas ao mercado nacional têm operado com margens baixas de lucro, a fim de garantir preços competitivos nos 0km e ganhar em volume de vendas e participação no mercado, o que tem dado muito certo. É ótimo para quem busca um carro novo por aumentar o leque de opções e as ofertas serem generosas, entretanto, pode se tornar um problema nas futuras avaliações de seminovos e usados, pois essas mesmas montadoras podem querer recuperar o "prejuízo" com avaliações baixíssimas no ato da recompra. Pelo sim ou pelo não, cabe a cada um optar por arriscar e ver qual cenário se apresentará.
Além disso, dependendo do uso que o EV teve, suas condições de rodagem podem ser muito diferentes de quando era 0km, o que também será motivo para um avaliador qualquer derrubar o preço de compra ou até mesmo recusar o veículo. Os elétricos ainda sofrem perda de eficiência com o passar do tempo, ou seja: se um modelo X qualquer rodava até 300km com uma carga completa quando novo, passará a rodar menos com a mesma carga completa depois de um certo tempo de uso e várias recargas feitas. Não há como obter um dado preciso sobre essa perda porque ela depende de muitas variáveis e vai de um carro/conjunto para outro, todavia, o fato é que ela existe e se acentua na mesma medida em que o veículo é "moído" por aí.
Corolla Cross tem versões híbridas do tipo HEV, sem a possibilidade de recarga por tomada. Foto: Yuri Ravitz/Volta Rápida |
Essas considerações valem para os híbridos?
Em termos. Mesmo os híbridos plug-in, que podem ser recarregados na tomada, ainda contam com o motor convencional a combustão para auxiliar na condução e gerar energia, portanto, são mais tranquilos para um cenário de uso mais intenso. Em boa parte dos casos, o híbrido conta com ambos os motores (a combustão e elétrico) para entregar o máximo de desempenho que aquele carro X ou Y pode, então, é o tipo de veículo que mais se aproxima da "normalidade" dos carros que o público já conhece há décadas, dispensando certas preocupações específicas dos 100% elétricos.
Diante de tudo o que ponderamos por aqui, nossa dica é: você pode pensar com tranquilidade em ter um elétrico se, antes de mais nada, tiver condições de carregá-lo em sua casa, trabalho ou ambos e se não pretende fazer uso intenso como, por exemplo, viagens de maior distância - acima de 200km. De maneira geral, o Brasil ainda não tem estrutura para permitir o pleno uso de EVs e, portanto, os cenários onde eles se configuram como "a melhor opção" continuam bastante limitados. Se deseja começar a embarcar nesse universo e não quer ter maiores dores de cabeça, opte pelos híbridos.