Zerei a vida, meus amigos! |
Tenho certeza que falo por toda a comunidade automotiva quando digo que um(a) gearhead que se preze possui uma lista mental dos carros dos seus sonhos. Seja para apenas conhecer de perto ou possuir em sua garagem, o fato é que nós, com combustível nas veias, temos nossa própria listagem das máquinas que fazem o coração bater mais depressa e a imaginação viajar sem limites.
Eu, Ravito, não organizo minha lista da maneira mais exata ou lógica possível, mas guardo meu Top 3 de carros dos sonhos na memória e vivo na busca de concretizar essas metas. Recentemente, por mais incrível que pareça, tive a oportunidade inesquecível de conhecer justamente o que ocupa a posição nº 01 da minha lista pessoal: o Dodge Viper. Mas não estamos falando de "qualquer Viper" e sim do primeiro de todos eles, mais conhecido pelo código RT/10.
Ver esse bichão com a minha placa é uma realização incrível! |
A história com o Viper começou quando eu ainda era criança, por volta dos 4 a 5 anos de idade. Tenho flashes de memória sobre uma série de TV que hoje sei que se chamava "Viper", exatamente como o carro, e que falava a respeito de um protótipo avançado de combate ao crime em uma cidade fictícia; a série estreou em 1994 e, segundo minhas pesquisas, passava na Globo. A grande estrela era o Dodge Viper RT/10 que podia se transformar no "Defender", uma máquina cheia de armas e bugigangas pensadas para acabar com os malfeitores - uma inspiração clara no seriado A Supermáquina (do famoso K.I.T.T.) e, óbvio, uma senhora jogada de marketing da Chrysler, dona da Dodge na época.
O "nosso" Viper está com as rodas aro 18 da versão GTS, a de teto fechado que surgiu na segunda geração. |
Meus flashes de memória me fazem lembrar daquele carro vermelho nada discreto e com linhas diferentes de tudo que eu já havia visto na época. Como você deve saber, os carros brasileiros nesse começo da década de 90 eram conhecidos pelas linhas quadradas e bastante conservadoras; ver um "bicho" tão diferente desses, ainda que apenas pela televisão, me impactou para sempre. Com o passar do tempo, fui crescendo e tomando conhecimento do que realmente se tratava, o que só serviu para aumentar minha paixão cada vez mais.
Por ser chamativo demais, optamos por fazer o ensaio em um lugar um pouco mais reservado: um estacionamento pago. |
Faz alguns meses que o Viper da matéria chegou ao Rio de Janeiro capital. Não preciso dizer que fiquei maluco, doido, pirado quando tomei conhecimento - através dos amigos Nicolas e Wendell que sabem muito bem da minha paixão por esse carro. Logo acionei meus contatos e corri atrás de saber quem era o proprietário, afinal, não podia perder a oportunidade de ver a criatura exótica de perto, mesmo que fosse apenas para ver. Se rolasse uma pauta, ensaio ou o que fosse, já seria muito mais do que eu imaginava.
Na cabine, apenas o essencial - instrumentos analógicos que mostram todas as informações básicas sobre o veículo. |
Conversa vai, conversa vem, consegui chegar ao proprietário da joia por indicação dos amigos da Boost BR. Entusiasta de esportivos dos anos 90, disse não ver graça nos modelos atuais (e eu não o julgo, salvo algumas exceções modernas que aprecio bastante) e que pegou o Viper pelo mesmo motivo que eu teria um: gosto pelo carro e pela experiência que ele proporciona. Gente finíssima, alinhamos as agendas para fazer um ensaio fotográfico e, lógico, colocar o monstro para rodar pelas ruas cariocas.
Bancos de couro são surpreendentemente confortáveis para um carro desse tipo. |
Fiquei mega ansioso pelo dia, porém, apreensivo porque o clima parecia não colaborar: os indícios de chuva eram fortes e, com chuva, sair com esse Viper se torna algo indigesto, uma vez que não há teto e janelas convencionais, mas um quebra-galho feito de lona e plástico que não é nem um pouco intuitivo de se usar/instalar. Traduzindo: se chovesse, seria necessário adiar. Felizmente, o tempo colaborou e não caiu uma gota.
Pelas fotos, sempre achei que o Viper fosse enorme. |
Chegando na garagem, finalmente vi a besta pessoalmente e não conseguia acreditar que estava acontecendo. Me surpreendi com o porte, pois é um carro espantosamente baixo, porém, largo e comprido - 4cm maior do que um Jeep Compass... para um modelo que só leva duas pessoas e mede menos de 1,20m de altura. Estava coberto por uma capa que ajudei o proprietário a tirar e, quando finalmente a removemos por completo, comecei a tremer e gaguejar... Na verdade, eu não conseguia dizer nada, apenas rir.
Os cintos se encontram nas portas. |
Era real: eu estava cara a cara com o carro dos meus sonhos e estava a um pulo de andar nele. Estava prestes a colocá-lo na minha mídia e a realizar um sonho que, sinceramente, só achei que aconteceria daqui a muitos anos. No ato da partida, fiz questão de colocar o celular próximo da saída direita de escape para gravar o despertar do 8.0 V10 que toma quase metade da carroceria - e que é um dos motivos de eu ser apaixonado pelo Viper. Ouvir um motor tão grande e tão analógico acordando é uma experiência que todo gearhead deveria vivenciar pelo menos uma vez ao dia. Faz bem para a saúde e o humor, acredite.
O Viper é tão baixo que mesmo um SUV compacto parece um microônibus ao lado dele. |
Saindo da garagem, o Viper rouba a cena e todas as atenções tanto de pedestres quanto de outros motoristas. Os olhares de espanto de quem não sabe que carro é aquele, de admiração de quem sabe muito bem e não acredita no que está vendo... pudera: encontrar um Viper RT/10 rodando numa tarde pacata de terça-feira não é algo comum em nenhum lugar do planeta, especialmente no Brasil. Da minha parte, só sorrisos e a análise de um jornalista: as acomodações são surpreendentemente agradáveis e confortáveis. O cockpit é perfeito com o para-brisa baixo e a linha alta de cintura, ótima para se apoiar o braço enquanto aproveita o passeio. O banco de couro é macio e o console largo deixa o passageiro distante do condutor.
Volante tem ajuste de altura e pegada em couro. O emblema da víbora ao centro aciona a buzina. |
Contudo, é importante ressaltar uma coisa que ficou muito clara após esse contato pessoal: o Viper nasceu como um carro de corrida. Não é um modelo de passeio, mas um carro de corrida que tem o bônus de poder ser usado nas ruas por atender as legislações mínimas da época para tal. Com o passar do tempo, a Dodge promoveu diversas mudanças para deixá-lo mais amigável e apto a um uso mais cotidiano, por assim dizer, porém, os primeiros modelos foram claramente pensados como carros de corrida. Nesse caso, estamos falando de um exemplar 1993 da primeira geração: não há ar condicionado, direção hidráulica, freios ABS, airbags... absolutamente nada que interfira na comunicação homem X máquina. As saídas de escape são laterais e, apesar da proteção, podem queimar as pernas de quem não prestar atenção: há avisos nos vãos das portas pedindo que o ocupante tenha atenção redobrada a isso.
Oito litros, dez cilindros em V. Ao que tudo indica, nunca mais veremos algo parecido na indústria automotiva... |
A construção do Viper também deixa claro se tratar de um carro de corrida: toda a parte exposta que você vê em vermelho é de fibra e é meramente decorativa. O enorme capô, apesar do tamanho, é espantosamente leve e se abre para a frente, revelando o motor e todos os seus periféricos, bem como alguns (poucos) eletrônicos, tudo sem muita proteção ou cobertura. Chega a parecer um modelo artesanal, o que seria uma crítica negativa em qualquer outro carro, mas que se torna um dos grandes charmes do Viper RT/10.
Ao levantar o capô, é possível ver as "entranhas" do Viper. |
Em um mundo com cada vez mais eletrônicos, abafadores, isolamentos e supressores, andar no Viper me fez lembrar de uma época onde o prazer de dirigir se colocava acima de tudo. A ligação homem X máquina era privilegiada de modo a deixar outras coisas em segundo plano e, na época, isso era tão sério que podemos listar um sem-fim de outros modelos de pegada semelhante que são cada vez mais valorizados entre os entusiastas de hoje. Ao se acelerar o Viper RT/10, parece que o motor está no carro inteiro: todo o conjunto vibra e não é por insegurança, mas por força bruta. É como se o carro estivesse lhe dizendo que é hora de acelerar e que ele quer devorar a pista adiante. Não há filtros. É o tipo de coisa que nenhum esportivo moderno de rua consegue transmitir - e nem pode, pois os compradores reclamariam.
Faróis principais por projetor halógeno e de neblina logo abaixo por refletor. |
Apesar disso, o Viper até consegue se conduzir de maneira mais dócil e civilizada no ambiente urbano; tirando alguns "coices" que acontecem esporadicamente em baixa velocidade, é possível transitar com o esportivo pelas ruas, desde que se tome cuidado com os típicos obstáculos urbanos (quebra-molas, rampas e etc.) e as dimensões do carro, uma vez que não há sensores de estacionamento.
Nem mesmo o arco atrás dos bancos serve para proteção em caso de capotamento; é apenas decorativo. |
No final das contas, foi uma das experiências automotivas mais incríveis de toda a minha vida e eu espero poder repetir o quanto antes. De todos os Viper que existem (e eu gosto de todos), o RT/10 do primeiro modelo é minha paixão suprema sobre rodas por evocar pura e simplesmente o prazer de conduzir. Do escape lateral que faz o V10 rugir no pé dos ouvidos ao estilo incomparável, estamos diante de uma obra de arte que dificilmente voltaremos a ver igual na história automotiva.
Para finalizar: ao proprietário, novo leitor e amigo, meu mais sincero muito obrigado. Você fez um adulto muito feliz... e a criança que habita nele, mais ainda.