Foto: horseandhound.co.uk |
Sou um cara que gosta de aprender. Quando um assunto me interessa, busco me aprofundar e responder o máximo possível de perguntas que vão aparecendo em minha mente conforme as informações vão se assimilando no meu entendimento. Uma ótima forma de aprender sobre qualquer assunto é pesquisar literatura especializada que, em tese, é elaborada por alguém que estudou muito sobre aquele assunto e conseguiu provar, por A + B, tudo o que está se propondo a passar para os outros.
Só que, por algum motivo, eu tenho a impressão de que o especializado de hoje não é mais como o especializado de anos, décadas atrás. Falando da área automotiva, que é minha especialização (modéstia à parte), já não consigo mais contabilizar quantas vezes vejo os "especialistas" falarem que um carro tal TEM XXX CAVALOS. Eu sei que, às vezes, adota-se uma linguagem mais simples e fácil de ser compreendida para que um leigo consiga alcançar o que é dito, entretanto, quando essa simplificação induz ao erro, deve ser descartada. Não adianta gerar um entendimento errado, concorda?
Ao meu ver, todo. Problema total. Pensa comigo: se eu afirmo que você "tem 10 mil reais", estou declarando que você possui essa quantia, ponto final. Porém, se eu falo que você "pode conseguir até 10 mil reais", fica evidente que estou falando de uma hipótese dentro das suas possibilidades, não de um fato presente. É a mesmíssima coisa quando falamos de motores de carros - inclusive, elétricos. Você pode se aprofundar um pouquinho neste artigo.
O conceito de potência está diretamente relacionado a realização de trabalho, ou seja, é impossível "ter potência" porque é impossível "ter trabalho". Você REALIZA/EXECUTA trabalho e a potência é gerada mediante a realização desse trabalho, o que significa que se não há trabalho sendo realizado, não existe potência sendo gerada. Quando você diz que "um motor/um carro TEM XXX cavalos", a ideia passada é a de que aquele motor/carro "tem" aquela potência o tempo inteiro, o que está longe de ser a realidade... além de ser um erro, fisicamente falando.
Pegando, por exemplo, o 8.0 W16 da Bugatti que entrega até 1.500cv de potência máxima no Chiron: em determinado regime de funcionamento, esse motor entrega apenas 100cv. Em outro regime, entrega 200cv; em outro, 50cv, 150cv e por aí vai. Em outras palavras: a potência divulgada pelo fabricante representa a capacidade máxima que aquele motor pode entregar no seu ápice de funcionamento. Com carros elétricos, é a mesma coisa: a entrega de potência acontece de forma diferente, porém, o máximo de potência só é entregue em certos regimes de funcionamento do motor elétrico.
Da melhor maneira possível. Entendendo o conceito de POTÊNCIA, você consegue concluir que isso não é o mais importante quando se fala de desempenho/performance. Muitas pessoas ainda se baseiam unicamente nisso para determinar "qual carro anda mais" e, embora seja um dado relevante, não é o único. De que adianta, por exemplo, um carro que entrega muita potência máxima se essa entrega só acontece em uma faixa muito específica de giro que você jamais alcançará na condução comum?
É bem mais interessante ter um carro cujo motor entrega menos potência máxima, porém, em uma faixa maior de rotações que seja mais utilizável durante a direção diária - e todos os jornalistas automotivos sabem disso (ou deveriam saber, não é?). Nós, que nos consideramos uma mídia especializada, precisamos levar esse entendimento correto ao nosso leitor, afinal de contas, é exatamente por isso que ele nos procura. Se a mídia replica e/ou perpetua a ignorância, ela deixa de cumprir seu papel social e educacional. Pior ainda: ela deixa de ser especializada.
Portanto, queridos colegas, peço encarecidamente: parem de dizer em suas matérias e chamadas que os carros têm cavalos, mas sim, que eles podem gerar até XXX cavalos. Porque nenhum carro tem cavalos. É impossível tê-los!