Texto e fotos por Yuri Ravitz
Modelo cedido por Volkswagen do Brasil
Preto Ninja é a única opção de cor sem custo adicional. |
O mercado financeiro diz que para se obter grandes retornos, é necessário correr grandes riscos. Os ativos que podem render mais costumam ser aqueles mais incertos, o que, na verdade, pode ser aplicado a várias coisas na vida. O mercado automotivo brasileiro, por exemplo, tem motivado muitas empresas a repensarem suas estratégias para tentar "navegar" por esse mar de dúvidas e instabilidade da maneira mais lucrativa ou menos prejudicial possível. É claro que isso vem rendendo infinitas polêmicas...
...e uma delas é o reposicionamento do Volkswagen Polo, outrora trabalhado como um produto do primeiro escalão do portfólio, por assim dizer. Para 2023, o compacto foi atualizado e remanejado para ser o carro de entrada da montadora no Brasil, uma vez que o veterano Gol como o conhecíamos se despediu definitivamente. O novo carro mais barato da marca para nós é a estrela do nosso teste da vez: o inédito Polo Track, anunciado no final de 2021 e lançado oficialmente um ano depois.
Tabelado atualmente em R$86.390 já como ano/modelo 2024, recebemos um exemplar da linha 2023 para avaliar por uma semana. Na prática, o que muda é que o modelo 2024 passa a vir de série com o antigo kit opcional do lançamento, composto por rádio FM com bluetooth e controles no volante, além de computador de bordo e portas USB no console central. O novo opcional passa a ser o multimídia Composition Touch por R$650.
Dianteira do Polo Track é exclusiva. Farol baixo e alto são conjugados em um único refletor. |
Traje informal
Para criar o Polo Track, a Volkswagen alterou diversas características para baratear o modelo frente os demais. Visualmente, ele traz uma dianteira unicamente feita para ele, composta por grandes faróis de luzes halógenas e refletor único interligados por uma grade toda em preto fosco e acabamento colméia; são peças maiores e menos sofisticadas do que as utilizadas nas demais versões do compacto que trazem faróis Full LED e uma grade mais estreita de filetes horizontais. O para-choque também é exclusivo e repete a grade colméia.
De lado, calotas de 15 polegadas com acabamento escurecido cobrem as rodas de ferro com quatro furos, contrariando as peças padrão de cinco furos dos demais Polo, enquanto que a traseira traz as mesmas lanternas com máscara negra das demais versões (exceto a GTS) e um para-choque também exclusivo, além da tampa do porta-malas trazer apenas o nome TRACK ao centro.
Por dentro, as portas dianteiras trocaram o tecido dos apoios de braço por plástico rígido e o cluster de instrumentos trocou o preciso marcador de temperatura do arrefecimento por um mostrador numérico, além de transformar o indicador de combustível em digital, disposto na tela do computador de bordo. A luminária dianteira de teto passou a ser a mesma do extinto Gol, com uma única luz central ao invés das duas individuais, e a luminária traseira foi abolida.
Para movimentar o Polo Track, a Volkswagen optou por um bloco bastante conhecido e utilizado há anos: o 1.0 aspirado flex de três cilindros conhecido como MPI, capaz de entregar até 84cv e 10,3kgfm de potência e torque máximos, aliado a uma caixa manual de cinco velocidades. É o mesmo motor da versão de entrada do Polo "normal" desde que a sexta geração foi apresentada no final de 2017 e continua presente até o modelo atual (unicamente na versão MPI), já tendo equipado outros compactos como Fox, up!, Gol e Voyage.
É um dos motores mais fortes da categoria dos 1.0 aspirados e, também, um dos mais suaves em funcionamento. Abastecido somente com gasolina, entregou uma média de consumo geral de 16,9km/l em percurso misto, chegando a 22km/l de picos de economia em trecho rodoviário e direção mais comedida. Para acompanhá-lo, a transmissão de cinco marchas traz engates excelentes, porém, sua relação privilegia o uso urbano: a 100km/h, as rotações já estão a ponto de passar dos 3 mil giros.
A lista de equipamentos de série do Polo Track inclui: quatro airbags, controles de tração e estabilidade, luzes diurnas, rodas aro 15 de ferro com calotas, retrovisores manuais, vidros elétricos dianteiros sem função um-toque, chave canivete, bancos em tecido com ajuste de altura para o motorista, ar condicionado, bloqueio eletrônico de diferencial, direção elétrica, alerta de uso do cinto para todos os ocupantes, entre outros. Na linha 2024, começou a vir com computador de bordo, rádio FM com conexão bluetooth, volante multifuncional e duas portas USB tipo C de série.
Quando foi lançado em Novembro do ano passado, o Polo Track custava R$79.990. Apesar de ter incorporado os itens do antigo pacote opcional como equipamentos de série, o modelo já encareceu mais de 6 mil reais em apenas sete meses e não trouxe recursos suficientes que justificassem tais aumentos; para piorar, a diferença entre ele e o MPI é de menos de 4 mil reais, sendo que o MPI traz faróis totalmente em LED, central multimídia e a mesma "cara" dos demais Polo, mostrando um custo X benefício mais interessante.
Rodamos cerca de 730km com o Polo Track e, apesar das mudanças e cortes de custo, ele continua sendo o Polo de sexta geração que conhecemos. A Volkswagen promoveu sensíveis melhorias no isolamento acústico - pouco se ouve do motor e menos ainda do motor de arranque, ao ponto de ser difícil dizer, em certas ocasiões, se o carro já está ligado. A ergonomia é infinitamente melhor do que no Gol que, embora estivesse na década atual, ainda era um projeto da década retrasada e já estava mais do que cansado/defasado nesse aspecto.
O trabalho dos pedais e da transmissão também é bastante agradável e isso é ótimo, pois, você precisará usá-los com muita frequência. Com o torque máximo aparecendo somente a partir dos 3 mil giros, o Polo Track obriga o motorista a reduzir marchas para quaisquer situações que exijam mais força, mesmo com o carro vazio. O acerto da suspensão agrada e mostra uma evolução considerável frente os modelos pré-facelift, mostrando que a VW fez o dever de casa e que nem tudo no Polo Track é retrocesso.
Design: o Polo Track possui seu próprio visual e, pelo menos durante o nosso teste, isso se mostrou algo positivo. Alguns leitores e até passantes nas ruas elogiaram o compacto que, de fato, foi ajudado pela cor preta que esconde as partes sem pintura (retrovisores, maçanetas e etc.), amenizando o aspecto pobre desses detalhes. Não podemos dizer que não gostamos do visual do alemão, entretanto, achamos que alguns detalhes poderiam ser revistos como as calotas de desenho esquisito e a pintura em certas peças que vieram em preto fosco. Nota: 6
Interior: a cabine do Polo nunca foi referência em qualidade de acabamento ou capricho, porém, a Volkswagen mostrou que podia piorar. As mínimas partes em tecido nas portas dianteiras se foram e até o marcador de temperatura do líquido de arrefecimento foi simplificado, de modo a só mostrar superaquecimento quando ele já estiver ocorrendo, através de um LED vermelho. A troca da luminária de teto com luzes individuais por uma mais simples também foi bola fora. Resumindo a ópera, o interior do Polo Track foi (ainda mais) empobrecido. Pelo menos, a montagem é boa e não há peças desalinhadas. Nota: 2
Mecânica: o 1.0 MPI é, como já dissemos, um dos mais fortes do segmento e ainda consegue ser bastante econômico mesmo quando o carro é mais exigido, o que é ótimo. O funcionamento da transmissão manual também é muito bom, mas algumas relações (como a da 5ª marcha) podiam ser melhores. No mais, suspensão traseira por eixo de torção e freios traseiros a tambor como já era nos Polo de entrada e, é claro, em todos os concorrentes de entrada (e até alguns tops). Nota: 7
Tecnologia: o Polo Track é o legítimo carro básico dos anos 20 - traz o mínimo de segurança com quatro airbags, algumas sopas de letrinhas e para por aí. Também traz o mínimo de conforto com ar condicionado, direção elétrica e rádio com conexão bluetooth. Pelo preço, deveria entregar mais. Nota: 2
Conveniência: a chave canivete não traz abertura e fechamento remoto das janelas. Os quebra-sóis não trazem iluminação e só há espelho no do passageiro. Duas portas USB, sendo que ambas são para os ocupantes da frente. Pelo menos, nesse caso, o botão de abertura do porta-malas fica no local certo, na guia de comandos próxima ao câmbio e não na tela do multimídia como nas versões mais caras. Nota: 3
Acomodações: o espaço interno é o mesmo de sempre, o que não é grande coisa, mas o conforto dos bancos também continua o mesmo de sempre e isso é bom. O problema é que os ocupantes traseiros do Polo Track não contam sequer com míseras luzes de cortesia, algo que todas as versões do Polo sempre tiveram. De igual modo, apenas o cinto do motorista traz ajuste de altura - o do passageiro, não. Mais uma vez, o corte exagerado de custos não condiz com a pedida de tabela e compromete o convívio diário. Nota: 4
Funcionalidades: quase tudo no Polo Track funcionou corretamente o tempo inteiro. O que apresentou falhas irritantes foi o rádio - além de não permitir que chamadas telefônicas sejam atendidas/desligadas pelo botão no volante graças a algum bug desconhecido, ele insiste em remover a equalização do som toda vez que algum comando é realizado, o que deixa o som original excessivamente grave e surdo, causando incômodo pela baixa qualidade do áudio. É possível equalizar no próprio aparelho para melhorar isso, entretanto, basta realizar qualquer outro comando que ele simplesmente remove a equalização e faz tudo voltar ao que era. Não vimos outros relatos parecidos até o momento, então, pode ser um caso isolado da unidade que testamos. Nota: 7
Desempenho: o Polo Track anda bem para um 1.0 aspirado e, de quebra, ainda bebe muito pouco. Além disso, a melhora no comportamento da suspensão deixou o compacto mais agradável (e seguro) de andar. Muito bom. Nota: 8
Segurança: com quatro airbags, controles de tração e estabilidade e bloqueio eletrônico de diferencial, o Polo Track não traz nenhum recurso extraordinário de segurança. Apesar disso, ele ainda é construído sobre a plataforma MQB na derivação A0 cuja qualidade estrutural já foi comprovada em diversos testes diferentes. Se passasse por um crash test hoje, não levaria nota máxima unicamente por não atender os protocolos atuais que exigem recursos semiautônomos de segurança, porém, a qualidade da célula de sobrevivência já foi aferida. Nota: 7
Custo X Benefício: carros de entrada costumam apelar para o custo X benefício com preços atraentes e um pacote de itens e/ou atributos que justifiquem, minimamente, o valor de tabela perante os concorrentes. Seria injusto de nossa parte dizer que o Polo Track não tem qualidades - não é espaçoso como o novo Citroën C3 ou equipado como o Peugeot 208 Style, por exemplo, porém, é equilibrado e oferece uma qualidade construtiva que a maioria dos rivais desconhece, além de ser um dos mais econômicos da categoria. O grande problema é que, por 3.600 reais a mais, é possível partir para o MPI que também não é barato, mas é um pouco mais decente quando lembramos que estão pedindo mais de 80 mil reais. No cenário atual, é difícil justificar a preferência pelo Track; ele deveria ser, no mínimo, 10 mil reais mais barato para valer a pena... e ainda seria caro. Nota: 4
Avaliação final: 50/100
O Polo Track é a mais exata expressão da atual fase que o compacto vive no mercado brasileiro. Sua trajetória nos faz lembrar do Jetta que, ao mesmo tempo em que foi simplificado de diversas maneiras com o passar das gerações, viu sua popularidade subir consideravelmente, até ser parado pela implacável onda dos SUVs. Embora não fosse tão equipado quanto o irmão europeu, o Polo de sexta geração começou sua trajetória no nosso país como um integrante do "alto escalão" dos hatches compactos, elevando a régua da categoria e fazendo a concorrência se mexer para entregar produtos no mesmo nível mecânico e tecnológico.
Apesar disso, ele nunca foi nenhum best-seller e, ao que tudo indica, isso incomodou tanto que a Volkswagen não viu outra saída. Barateou o modelo, aumentou a gama de versões e realizou outras alterações estratégicas bastante arriscadas, mas que deram certo; a linha 2023 já conseguiu o topo do ranking mensal de vendas. Se vai se manter, é outra história, entretanto, ninguém pode negar que a jogada deu resultado. É a velha história do "no pain, no gain" - sem dor, sem ganho. O Polo teve que sofrer as dores do corte de custos para, agora, poder se alegrar de um status que nunca teve antes.
Principais concorrentes: Fiat Argo Drive 1.0 ou Trekking 1.3 manual, Citroën C3 Feel 1.0, Peugeot 208 Style, Chevrolet Onix 1.0 manual, Hyundai HB20 Comfort 1.0
Motor: 1.0, 3 cilindros em linha, 12 válvulas, flex
Potência: 84cv (E) / 77cv (G) a 6.450rpm
Torque: 10,3kgfm (E) a 3.000rpm / 9,6kgfm (G) a 4.000rpm
Transmissão: manual de cinco marchas
Tração: dianteira
Suspensão: independente na dianteira, eixo de torção na traseira
Freios: discos ventilados na dianteira, tambores na traseira
Direção: elétrica
Pneus: 185/65 R15
Comprimento: 4,07m
Largura: 1,75m
Entre-eixos: 2,56m
Altura: 1,47m
Peso: 1.054kg
Porta-malas: 300l
Tanque: 52l
0 a 100km/h: 13,6 segundos
Velocidade máxima: 168km/h
Matéria em vídeo
Fotos (clique para ampliar):