terça-feira, 14 de março de 2023

2023 Fiat Mobi Trekking 1.0 MT5; os altos custos de um preço baixo

Segundo carro mais barato do Brasil atualmente, o Fiat Mobi resiste ao tempo sem mudanças significativas e vende relativamente bem, mas já mostra cansaço.

Texto e fotos por Yuri Ravitz
Modelo cedido por Stellantis Brasil

Nosso exemplar avaliado veio na cor Vermelho Montecarlo, disponível por R$790.

Acredite se quiser, mas fazer um carro barato está longe de ser uma tarefa das mais simples. Além de ter que atender a exigências de equipamentos de segurança e normas de eficiência energética cada vez mais rígidas, é preciso unir isso a características como um conjunto mecânico interessante, recursos de comodidade, tecnologia embarcada e etc. em um produto final que, ainda por cima, deve ser lucrativo. Enfim, é uma equação muito difícil de ser solucionada e que demanda sacrifícios por parte do fabricante.

Não é à toa que muitas montadoras têm desistido dessas fatias de mercado, voltadas a veículos mais baratos e de grande volume de vendas, de olho em nichos com menor volume e maior possibilidade de ganhos por haver mais margem para trabalhar o modelo final. Apesar disso, ainda é possível ver marcas apostando em produtos mais baratos como o Mobi, subcompacto da Fiat lançado em 2016 que chega a 2023 sem alterações significativas, apenas novidades muito pontuais.

O Mobi é, atualmente, o segundo carro mais barato do Brasil, atrás apenas do Renault Kwid, e nós recebemos um exemplar da versão top de linha Trekking, lançada em 2020 como ano/modelo 2021, para analisar como o pequeno italiano se posiciona nos dias de hoje, diante do atual cenário automotivo nacional.

Visualmente, a versão Trekking recebeu apenas novos grafismos na parte externa.

Sete é o número do atraso

O Mobi foi o segundo subcompacto a ser apresentado ao público brasileiro. O primeiro foi o finado Volkswagen up!, em 2014, e o terceiro foi o Renault Kwid em 2017. Diferentemente dos seus rivais diretos, o Mobi foi o único que não passou por nenhuma reestilização ao longo desses sete anos de existência, bem como quaisquer mudanças mais profundas; o "ponto alto" da vida do italiano foi a adoção do motor 1.0 aspirado da família Firefly, o mesmo utilizado pelos irmãos Argo e Cronos, mas que não durou muito tempo.

Hoje, o Mobi é equipado unicamente com o velho motor 1.0 aspirado de quatro cilindros da linha Fire EVO, capaz de gerar até 74cv e 9,7kgfm de potência e torque máximos, gerenciado pela conhecida transmissão manual de cinco marchas. Com a despedida do Uno, o Mobi passa a ser o último Fiat brasileiro a utilizar esse motor, o que reforça a sensação de cansaço e defasagem ao volante do subcompacto, principalmente se comparado aos concorrentes dotados de motores de três cilindros, bem mais modernos e econômicos.

Cockpit, assim como o exterior, não recebe mudanças significativas desde o lançamento em 2016.

Nunca é tarde para melhorar

Oferecido em apenas duas versões desde o ano passado, Like e Trekking, a lista de equipamentos de série é bem parecida para ambas e sofreu pouquíssimas mudanças ao longo dos anos. Há vidros elétricos somente na dianteira, ar condicionado, direção hidráulica, travas elétricas, monitoramento de pressão dos pneus, bancos em tecido, banco do motorista e volante com ajuste de altura, computador de bordo, encostos de cabeça e cintos de três pontos para três ocupantes na traseira, rodas aro 14 de ferro com calotas, entre outros.

A versão Trekking acrescenta central multimídia de 7 polegadas com espelhamento sem fio para smartphones, volante multifuncional e os adereços estéticos na parte externa - plásticos nos para-lamas, base para rack de teto (funcional) e adesivos, além dos bancos com costura laranja. Nosso exemplar de teste ainda trouxe os opcionais Safety (R$700) que inclui controle de estabilidade com assistente de partida em rampas e, por fim, o Style (R$2.200) que agrega faróis de neblina, rodas de liga leve aro 14, retrovisores com ajustes elétricos e repetidores de seta. Demorou, mas o Mobi finalmente adotou um sistema de infotenimento decente, além do "obrigatório" ESP que deveria ser de série.

Bancos inteiriços trazem grafismos exclusivos da versão.

Pedido de aposentadoria

Rodamos cerca de 400km ao longo da semana com o Mobi Trekking e, para sermos sinceros, o grande problema do subcompacto é o motor antiquado responsável por movimentar seus quase 1.000kg nessa versão. O espaço interno, apesar de ser bastante limitado, é o suficiente para dois adultos na frente e três crianças atrás, sendo que a sensação lateral de espaço é até melhor do que no Kwid pelo fato de não viajarmos grudados na coluna B e pela presença dos ajustes de altura do volante e banco do motorista, inexistentes no rival francês. A percepção de qualidade no interior também é melhor do que no concorrente, dadas as limitações da categoria e a faixa de preço dos modelos.

Entregando seu torque máximo apenas quando se passa dos 3.000rpm, o 1.0 Fire demonstra bastante apatia no uso geral e, por conta do alto peso para um carro desse tamanho, entrega as piores relações peso X potência e peso X torque do segmento - são quase 100 quilos por kgfm, bem distante dos 87,5 quilos por kgfm do finado up! com motor aspirado e dos 82,5kg/kgfm do Kwid reestilizado. Para se extrair algum desempenho minimamente decente a fim de realizar uma ultrapassagem ou subir uma rua não muito íngreme, é obrigatório reduzir marchas e levar as rotações às alturas para que o subcompacto não perca fôlego no meio da ação e deixe o motorista em uma situação constrangedora ou até perigosa.

Pequeno, sim. Leve, não.

Para amenizar a situação um pouco, o trabalho do câmbio e dos pedais é satisfatório e não cansa no dia-a-dia, bem como o da suspensão que é levemente mais alta no Trekking do que nos Mobi convencionais, fazendo o pequeno italiano superar os obstáculos cotidianos sem dificuldade. A central multimídia compartilhada com o irmão Strada e o Jeep Renegade na versão de entrada também é ótima e serve como pedido de desculpas para o malfadado Live On, sistema que visava utilizar o próprio smartphone do proprietário como multimídia do carro e que não vingou por razões óbvias.

Ainda assim, o Mobi incomoda não só pelo motor apático, mas por detalhes como a inclinação do acrílico que protege o painel de instrumentos: em dias ensolarados, ele reflete toda a luz que bate na coluna de direção sem qualquer cerimônia e deixa o cluster praticamente ilegível, dificultando a direção. Os mais altos vão querer retirar o console central de teto onde a cabeça tende a bater quase em todas as vezes que se entra no carro; é útil para guardar pequenos objetos e por trazer um espelho panorâmico para observar crianças no banco traseiro, porém, deveria ser opcional.

Grafismos do Trekking 2023 são diferentes dos presentes no Trekking 2021.

Avaliação geral

Design: hatches "pseudoaventureiros" tendem ao exagero nos adereços, contudo, o Mobi Trekking até consegue ser harmonioso nesse aspecto. Achamos que a frente é um tanto grosseira para um carro tão pequeno: faróis mais afilados como os da picape Strada, talvez, ficassem melhores. O fato é que não achamos o Mobi lindo, mas não dá para dizer que o trabalho visual da versão de topo ficou ruim. Nota: 6

Interior: enquanto o Kwid incomoda por "grudar" a coluna B nos ocupantes da frente e o up! causa estranheza pela falta de saídas centrais de ar, o Mobi é o mais normal nesse tópico. A cabine fortemente inspirada no finado Uno de segunda geração é ok para o segmento, sem encantar ou decepcionar, e também ganha um leve agrado na versão top por conta dos bancos exclusivos - e bonitos. Deveria ser melhor sem os incômodos relatados mais acima. Nota: 6

Mecânica: o motor 1.0 Fire precisa se aposentar logo e nem a denominação EVO consegue disfarçar isso. O restante, por outro lado, está dentro do padrão para um carro desse segmento: o câmbio funciona corretamente com bons engates e relações apropriadas de marcha, bem como os freios por discos somente na dianteira e a suspensão traseira por eixo de torção. Nota: 5

Tecnologia: a lista de itens do Mobi Trekking não chega a ser ruim, contudo, deveria incluir o ESP como recurso de série e trazer luzes diurnas. O preço base de pouco mais de 72 mil reais chega a quase 76 mil se formos configurar uma unidade igual a nossa testada, o que é muito dinheiro em um carro tão pequeno e com um motor tão atrasado. O nível de tecnologia embarcada deveria compensar mais em vista de tudo isso. Nota: 5

Conveniência: há chave canivete com abertura e fechamento remoto das janelas (só as dianteiras por serem elétricas), luzes de cortesia apenas para os ocupantes da frente, porta-revistas atrás dos dois bancos dianteiros, quebra-sóis com espelho sem iluminação e, por fim, uma única porta USB na frente. Aceitável. Nota: 7

Acomodações: o Mobi é o segundo menor carro do Brasil atualmente, perdendo apenas para o elétrico iCar, da CAOA Chery. Seu entre-eixos de meros 2,30m e o porta-malas de ínfimos 200 litros só o capacitam a ser o carro da casa se a família for de pessoas miúdas ou, no máximo, dois adultos com crianças pequenas. Ainda assim, devido ao porta-malas diminuto, levar um carrinho de bebê (por exemplo) é impossível. Em suma, é um carro para quem não precisa de espaço, o que não é muito comum nos dias de hoje. Nota: 3

Funcionalidades: tudo funcionou corretamente no Mobi Trekking, sem travamentos ou bugs de qualquer espécie. Nota: 10

Desempenho: para o uso urbano, a apatia do 1.0 Fire não chega a incomodar tanto. Para o uso rodoviário, a coisa muda de figura e ele precisa ser "esgoelado" para entregar um desempenho aceitável. Apesar disso, nosso consumo geral de 15,3km/l foi deveras satisfatório no uso misto e somente gasolina no tanque. O 1.0 Firefly se sairia MUITO melhor nos dois aspectos. Nota: 3

Segurança: na única vez em que o Mobi foi testado pelo Latin NCAP, em 2017, saiu com uma estrela para a proteção de adultos e duas para a de crianças. Os protocolos mudaram bastante de lá para cá e é certo que o subcompacto teria dificuldades até para repetir o baixo resultado da primeira vez, mas daremos um ponto pela oferta do controle de estabilidade como opcional; pontuaríamos um pouco mais se ele fosse de série. Nota: 1

Custo X Benefício: por cerca de 72 mil reais, o Fiat Mobi Trekking bate de frente com o Renault Kwid Outsider, pouca coisa mais caro, e flerta com o novo Citroën C3 na versão Live Pack que é um carro maior. O grande (mas não o único) problema do italiano é seu motor que, no uso geral, fica atrás do 1.0 SCe do Kwid e do 1.0 Firefly do C3; no mais, ambos trazem mais espaço interno, mais porta-malas e recursos que ele não oferece. Na verdade, para ser direto, o Mobi hoje parece um carro mais adequado a empresas do que a pessoas físicas, uma vez que o motor Fire possui um custo baixíssimo de reparo por estar no mercado há anos e o controle de estabilidade, por exemplo, não é um recurso que o empresário costuma fazer questão na sua frota de serviço. Para nós, motoristas diários de nós mesmos, há opções melhores em qualquer aspecto que se analise, o que dificulta bastante a tarefa de justificar a opção pelo pequeno italiano. Nota: 3

Avaliação final: 49/100

Tampa do porta-malas em vidro é uma peculiaridade do Mobi.

Considerações finais

Ao analisarmos o Mobi no cenário atual, tanto no mercado como um todo quanto da própria Fiat em si, fica claro que certas decisões sobre ele foram tomadas para manter a montadora no páreo dos carros mais baratos do Brasil e, de quebra, evitar um certo canibalismo com o Argo. O problema é que essas decisões também condenam o subcompacto a ter um dos piores custo X benefício dos dias de hoje; isso somado ao fato das pouquíssimas novidades mesmo após sete anos pode indicar que ele esteja prestes a se aposentar.

O modelo comemorou, em Maio do ano passado, 400 mil unidades produzidas desde 2016, um número bastante significativo e que nos faz "coçar a cabeça" ao tentar imaginar o que a Fiat deseja para ele que já teve até versões com câmbio automatizado. Ao que tudo indica, o mercado ainda tem espaço para ele e desejo de comprá-lo, portanto, não faz sentido condená-lo ao alto custo de se tornar uma má compra do ponto de vista financeiro, unicamente para que seu preço seja "baixo"... a menos, é claro, que o lucro em cima dele esteja nas alturas.


Concorrentes diretos (pela categoria hatch subcompacto): Renault Kwid Intense ou Outsider

Concorrentes indiretos (pelo preço entre 68 e 78 mil reais): Citroën C3 Live ou Live Pack


Ficha técnica

Motor: 1.0, 4 cilindros em linha, 8 válvulas, flex
Potência: 74cv (E) / 71cv (G) a 6.250rpm
Torque: 9,7kgfm (E) / 9,3kgfm (G) a 3.250rpm
Transmissão: manual de cinco marchas
Tração: dianteira
Suspensão: independente na dianteira, eixo de torção na traseira
Freios: discos sólidos na dianteira, tambores na traseira
Direção: hidráulica
Pneus: 175/65 R14
Comprimento: 3,59m
Largura: 1,66m
Entre-eixos: 2,30m
Altura: 1,55m
Peso: 969kg
Porta-malas: 200l
Tanque: 47l

0 a 100km/h: 15 segundos
Velocidade máxima: 151km/h

Fotos (clique para ampliar):