Texto e fotos por Yuri Ravitz
Modelo cedido por Stellantis Brasil
Nosso exemplar avaliado veio na cor Vermelho Montecarlo, disponível por R$790. |
Acredite se quiser, mas fazer um carro barato está longe de ser uma tarefa das mais simples. Além de ter que atender a exigências de equipamentos de segurança e normas de eficiência energética cada vez mais rígidas, é preciso unir isso a características como um conjunto mecânico interessante, recursos de comodidade, tecnologia embarcada e etc. em um produto final que, ainda por cima, deve ser lucrativo. Enfim, é uma equação muito difícil de ser solucionada e que demanda sacrifícios por parte do fabricante.
Não é à toa que muitas montadoras têm desistido dessas fatias de mercado, voltadas a veículos mais baratos e de grande volume de vendas, de olho em nichos com menor volume e maior possibilidade de ganhos por haver mais margem para trabalhar o modelo final. Apesar disso, ainda é possível ver marcas apostando em produtos mais baratos como o Mobi, subcompacto da Fiat lançado em 2016 que chega a 2023 sem alterações significativas, apenas novidades muito pontuais.
O Mobi é, atualmente, o segundo carro mais barato do Brasil, atrás apenas do Renault Kwid, e nós recebemos um exemplar da versão top de linha Trekking, lançada em 2020 como ano/modelo 2021, para analisar como o pequeno italiano se posiciona nos dias de hoje, diante do atual cenário automotivo nacional.
Visualmente, a versão Trekking recebeu apenas novos grafismos na parte externa. |
Sete é o número do atraso
O Mobi foi o segundo subcompacto a ser apresentado ao público brasileiro. O primeiro foi o finado Volkswagen up!, em 2014, e o terceiro foi o Renault Kwid em 2017. Diferentemente dos seus rivais diretos, o Mobi foi o único que não passou por nenhuma reestilização ao longo desses sete anos de existência, bem como quaisquer mudanças mais profundas; o "ponto alto" da vida do italiano foi a adoção do motor 1.0 aspirado da família Firefly, o mesmo utilizado pelos irmãos Argo e Cronos, mas que não durou muito tempo.
Hoje, o Mobi é equipado unicamente com o velho motor 1.0 aspirado de quatro cilindros da linha Fire EVO, capaz de gerar até 74cv e 9,7kgfm de potência e torque máximos, gerenciado pela conhecida transmissão manual de cinco marchas. Com a despedida do Uno, o Mobi passa a ser o último Fiat brasileiro a utilizar esse motor, o que reforça a sensação de cansaço e defasagem ao volante do subcompacto, principalmente se comparado aos concorrentes dotados de motores de três cilindros, bem mais modernos e econômicos.
Cockpit, assim como o exterior, não recebe mudanças significativas desde o lançamento em 2016. |
Nunca é tarde para melhorar
Oferecido em apenas duas versões desde o ano passado, Like e Trekking, a lista de equipamentos de série é bem parecida para ambas e sofreu pouquíssimas mudanças ao longo dos anos. Há vidros elétricos somente na dianteira, ar condicionado, direção hidráulica, travas elétricas, monitoramento de pressão dos pneus, bancos em tecido, banco do motorista e volante com ajuste de altura, computador de bordo, encostos de cabeça e cintos de três pontos para três ocupantes na traseira, rodas aro 14 de ferro com calotas, entre outros.
A versão Trekking acrescenta central multimídia de 7 polegadas com espelhamento sem fio para smartphones, volante multifuncional e os adereços estéticos na parte externa - plásticos nos para-lamas, base para rack de teto (funcional) e adesivos, além dos bancos com costura laranja. Nosso exemplar de teste ainda trouxe os opcionais Safety (R$700) que inclui controle de estabilidade com assistente de partida em rampas e, por fim, o Style (R$2.200) que agrega faróis de neblina, rodas de liga leve aro 14, retrovisores com ajustes elétricos e repetidores de seta. Demorou, mas o Mobi finalmente adotou um sistema de infotenimento decente, além do "obrigatório" ESP que deveria ser de série.
Rodamos cerca de 400km ao longo da semana com o Mobi Trekking e, para sermos sinceros, o grande problema do subcompacto é o motor antiquado responsável por movimentar seus quase 1.000kg nessa versão. O espaço interno, apesar de ser bastante limitado, é o suficiente para dois adultos na frente e três crianças atrás, sendo que a sensação lateral de espaço é até melhor do que no Kwid pelo fato de não viajarmos grudados na coluna B e pela presença dos ajustes de altura do volante e banco do motorista, inexistentes no rival francês. A percepção de qualidade no interior também é melhor do que no concorrente, dadas as limitações da categoria e a faixa de preço dos modelos.
Entregando seu torque máximo apenas quando se passa dos 3.000rpm, o 1.0 Fire demonstra bastante apatia no uso geral e, por conta do alto peso para um carro desse tamanho, entrega as piores relações peso X potência e peso X torque do segmento - são quase 100 quilos por kgfm, bem distante dos 87,5 quilos por kgfm do finado up! com motor aspirado e dos 82,5kg/kgfm do Kwid reestilizado. Para se extrair algum desempenho minimamente decente a fim de realizar uma ultrapassagem ou subir uma rua não muito íngreme, é obrigatório reduzir marchas e levar as rotações às alturas para que o subcompacto não perca fôlego no meio da ação e deixe o motorista em uma situação constrangedora ou até perigosa.
Pequeno, sim. Leve, não. |
Para amenizar a situação um pouco, o trabalho do câmbio e dos pedais é satisfatório e não cansa no dia-a-dia, bem como o da suspensão que é levemente mais alta no Trekking do que nos Mobi convencionais, fazendo o pequeno italiano superar os obstáculos cotidianos sem dificuldade. A central multimídia compartilhada com o irmão Strada e o Jeep Renegade na versão de entrada também é ótima e serve como pedido de desculpas para o malfadado Live On, sistema que visava utilizar o próprio smartphone do proprietário como multimídia do carro e que não vingou por razões óbvias.
Ainda assim, o Mobi incomoda não só pelo motor apático, mas por detalhes como a inclinação do acrílico que protege o painel de instrumentos: em dias ensolarados, ele reflete toda a luz que bate na coluna de direção sem qualquer cerimônia e deixa o cluster praticamente ilegível, dificultando a direção. Os mais altos vão querer retirar o console central de teto onde a cabeça tende a bater quase em todas as vezes que se entra no carro; é útil para guardar pequenos objetos e por trazer um espelho panorâmico para observar crianças no banco traseiro, porém, deveria ser opcional.
Design: hatches "pseudoaventureiros" tendem ao exagero nos adereços, contudo, o Mobi Trekking até consegue ser harmonioso nesse aspecto. Achamos que a frente é um tanto grosseira para um carro tão pequeno: faróis mais afilados como os da picape Strada, talvez, ficassem melhores. O fato é que não achamos o Mobi lindo, mas não dá para dizer que o trabalho visual da versão de topo ficou ruim. Nota: 6
Interior: enquanto o Kwid incomoda por "grudar" a coluna B nos ocupantes da frente e o up! causa estranheza pela falta de saídas centrais de ar, o Mobi é o mais normal nesse tópico. A cabine fortemente inspirada no finado Uno de segunda geração é ok para o segmento, sem encantar ou decepcionar, e também ganha um leve agrado na versão top por conta dos bancos exclusivos - e bonitos. Deveria ser melhor sem os incômodos relatados mais acima. Nota: 6
Mecânica: o motor 1.0 Fire precisa se aposentar logo e nem a denominação EVO consegue disfarçar isso. O restante, por outro lado, está dentro do padrão para um carro desse segmento: o câmbio funciona corretamente com bons engates e relações apropriadas de marcha, bem como os freios por discos somente na dianteira e a suspensão traseira por eixo de torção. Nota: 5
Tecnologia: a lista de itens do Mobi Trekking não chega a ser ruim, contudo, deveria incluir o ESP como recurso de série e trazer luzes diurnas. O preço base de pouco mais de 72 mil reais chega a quase 76 mil se formos configurar uma unidade igual a nossa testada, o que é muito dinheiro em um carro tão pequeno e com um motor tão atrasado. O nível de tecnologia embarcada deveria compensar mais em vista de tudo isso. Nota: 5
Conveniência: há chave canivete com abertura e fechamento remoto das janelas (só as dianteiras por serem elétricas), luzes de cortesia apenas para os ocupantes da frente, porta-revistas atrás dos dois bancos dianteiros, quebra-sóis com espelho sem iluminação e, por fim, uma única porta USB na frente. Aceitável. Nota: 7
Acomodações: o Mobi é o segundo menor carro do Brasil atualmente, perdendo apenas para o elétrico iCar, da CAOA Chery. Seu entre-eixos de meros 2,30m e o porta-malas de ínfimos 200 litros só o capacitam a ser o carro da casa se a família for de pessoas miúdas ou, no máximo, dois adultos com crianças pequenas. Ainda assim, devido ao porta-malas diminuto, levar um carrinho de bebê (por exemplo) é impossível. Em suma, é um carro para quem não precisa de espaço, o que não é muito comum nos dias de hoje. Nota: 3
Funcionalidades: tudo funcionou corretamente no Mobi Trekking, sem travamentos ou bugs de qualquer espécie. Nota: 10
Desempenho: para o uso urbano, a apatia do 1.0 Fire não chega a incomodar tanto. Para o uso rodoviário, a coisa muda de figura e ele precisa ser "esgoelado" para entregar um desempenho aceitável. Apesar disso, nosso consumo geral de 15,3km/l foi deveras satisfatório no uso misto e somente gasolina no tanque. O 1.0 Firefly se sairia MUITO melhor nos dois aspectos. Nota: 3
Segurança: na única vez em que o Mobi foi testado pelo Latin NCAP, em 2017, saiu com uma estrela para a proteção de adultos e duas para a de crianças. Os protocolos mudaram bastante de lá para cá e é certo que o subcompacto teria dificuldades até para repetir o baixo resultado da primeira vez, mas daremos um ponto pela oferta do controle de estabilidade como opcional; pontuaríamos um pouco mais se ele fosse de série. Nota: 1
Custo X Benefício: por cerca de 72 mil reais, o Fiat Mobi Trekking bate de frente com o Renault Kwid Outsider, pouca coisa mais caro, e flerta com o novo Citroën C3 na versão Live Pack que é um carro maior. O grande (mas não o único) problema do italiano é seu motor que, no uso geral, fica atrás do 1.0 SCe do Kwid e do 1.0 Firefly do C3; no mais, ambos trazem mais espaço interno, mais porta-malas e recursos que ele não oferece. Na verdade, para ser direto, o Mobi hoje parece um carro mais adequado a empresas do que a pessoas físicas, uma vez que o motor Fire possui um custo baixíssimo de reparo por estar no mercado há anos e o controle de estabilidade, por exemplo, não é um recurso que o empresário costuma fazer questão na sua frota de serviço. Para nós, motoristas diários de nós mesmos, há opções melhores em qualquer aspecto que se analise, o que dificulta bastante a tarefa de justificar a opção pelo pequeno italiano. Nota: 3
Avaliação final: 49/100
Ao analisarmos o Mobi no cenário atual, tanto no mercado como um todo quanto da própria Fiat em si, fica claro que certas decisões sobre ele foram tomadas para manter a montadora no páreo dos carros mais baratos do Brasil e, de quebra, evitar um certo canibalismo com o Argo. O problema é que essas decisões também condenam o subcompacto a ter um dos piores custo X benefício dos dias de hoje; isso somado ao fato das pouquíssimas novidades mesmo após sete anos pode indicar que ele esteja prestes a se aposentar.
O modelo comemorou, em Maio do ano passado, 400 mil unidades produzidas desde 2016, um número bastante significativo e que nos faz "coçar a cabeça" ao tentar imaginar o que a Fiat deseja para ele que já teve até versões com câmbio automatizado. Ao que tudo indica, o mercado ainda tem espaço para ele e desejo de comprá-lo, portanto, não faz sentido condená-lo ao alto custo de se tornar uma má compra do ponto de vista financeiro, unicamente para que seu preço seja "baixo"... a menos, é claro, que o lucro em cima dele esteja nas alturas.
Concorrentes diretos (pela categoria hatch subcompacto): Renault Kwid Intense ou Outsider
Concorrentes indiretos (pelo preço entre 68 e 78 mil reais): Citroën C3 Live ou Live Pack
Motor: 1.0, 4 cilindros em linha, 8 válvulas, flex
Potência: 74cv (E) / 71cv (G) a 6.250rpm
Torque: 9,7kgfm (E) / 9,3kgfm (G) a 3.250rpm
Transmissão: manual de cinco marchas
Tração: dianteira
Suspensão: independente na dianteira, eixo de torção na traseira
Freios: discos sólidos na dianteira, tambores na traseira
Direção: hidráulica
Pneus: 175/65 R14
Comprimento: 3,59m
Largura: 1,66m
Entre-eixos: 2,30m
Altura: 1,55m
Peso: 969kg
Porta-malas: 200l
Tanque: 47l
0 a 100km/h: 15 segundos
Velocidade máxima: 151km/h
Velocidade máxima: 151km/h
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