quinta-feira, 19 de janeiro de 2023

2023 Citroën C3 Feel Pack 1.6 AT6; espécie em extinção

Primeiro produto da ofensiva C-Cubed, o novo C3 chega para tentar ajudar a Citroën a recuperar espaço no Brasil. Testamos a versão top de linha por uma semana.

Texto e fotos por Yuri Ravitz
Modelo cedido por Stellantis Brasil

Nosso exemplar testado traz a cor Branco Banquise com teto preto que custa R$2.100 à parte.

A tarefa de comprar um carro 0km abaixo dos 100 mil reais está cada vez mais complicada, pois as opções de modelos que se mantém abaixo dos seis dígitos estão sumindo dia após dia e as poucas que existem, nem sempre conseguem agradar - seja pelo conjunto mecânico aquém do desejável ou um pacote de itens de série sem grandes atrativos. Não vamos, neste momento, debater sobre as razões que têm motivado esse cenário, mas uma coisa é fato: os carros têm encarecido semana após semana.

Ainda assim, há algumas luzes no fim desse túnel financeiro para quem sonha com um carro novo e não quer ultrapassar a simbólica barreira da centena de milhar. Nossa segunda avaliação de 2023 é com uma dessas luzes e, não apenas isso, é um modelo totalmente novo exibido aqui em sua versão mais cara até agora; trata-se da terceira geração do Citroën C3, lançada em Agosto do ano passado como primeiro produto da nova estratégia C-Cubed da montadora que prevê 3 novos carros entre 2022 e 2024. Uma unidade da variante top de linha nos foi gentilmente cedida para a avaliação padrão de uma semana.

Enquanto a dianteira traz semelhanças com o atual C3 europeu, a traseira é bastante diferente.

Emergindo das cinzas

A segunda geração do C3 foi descontinuada no Brasil no primeiro semestre de 2021 junto de outros modelos, deixando o C4 Cactus como único produto de passeio da marca por algum tempo. Ainda naquele ano, no segundo semestre, o novo C3 foi apresentado como um carro bem diferente da terceira geração europeia, construído sobre a plataforma CMP utilizada pelo atual Peugeot 208 ao invés da PF1 que equipa o C3 do primeiro mundo. O "nosso" C3 também tem design próprio, distinto do C3 gringo, porém, sem deixar de lado as referências da atual identidade visual da marca.

Essa separação teve um propósito claro e direto: transformar o C3 brasileiro em um carro emergente de baixo custo, visando chegar ao mercado com preços competitivos para tentar fazer a Citroën recuperar espaço no país, afinal de contas, além dos meses em que o C4 Cactus foi seu único veículo de passeio oferecido nos showrooms, nenhum dos últimos modelos da marca pode se gabar de um saldo favorável de vendas. Na teoria, a estratégia deu certo e o novo C3 chegou com preços que, atualmente, começam nos R$69.990 da versão de entrada e vão até os R$96.990 da top de linha - confira os detalhes das demais variantes aqui.

Motor 1.6 aspirado é compartilhado entre diversos carros da Peugeot e da Citroën.

Um novo velho conhecido

O novo C3 possui duas opções de motor e duas de transmissão, mas vamos focar no conjunto presente na versão top de linha aqui testada. A Feel Pack recebe um motor 1.6 aspirado flex de quatro cilindros que gera até 120cv e 15,7kgfm de potência e torque máximos, trabalhando com uma transmissão automática convencional de seis marchas. É o único motor disponível para a variante mais cara, que também é a única que possui opção de câmbio automático.

Talvez você tenha reconhecido o bloco pela foto acima; isso porque trata-se do EC5, uma evolução do TU5 utilizado há anos durante um bom tempo pela extinta aliança PSA. Além disso, o EC5 é compartilhado entre diversos carros das marcas francesas como os atuais Peugeot 208 e 2008, Citroën C4 Cactus, entre outros. Já as versões mais baratas do novo C3 utilizam o motor 1.0 Firefly aspirado vindo dos modelos da Fiat.

Cabine esbanja simplicidade, mas até consegue agradar pela ergonomia e visibilidade do mundo externo.

No limite das seis

Tabelada atualmente em R$96.990, a versão Feel Pack traz alguns itens de série como: airbags duplos frontais, luzes diurnas em LED, controles de tração e estabilidade, central multimídia com tela de 10 polegadas e espelhamento sem fio para smartphones, volante com ajuste de altura e comandos de rádio, vidros elétricos nas quatro portas, ar condicionado, direção elétrica, entre outros. O único opcional disponível é o chamado pacote Protection que acrescenta protetor de cárter e frisos laterais em preto fosco nas portas.

Alguns recursos como as rodas de 15 polegadas com acabamento diamantado, volante revestido em couro, câmera de ré e faróis de neblina são exclusivos da variante mais cara. No geral, a lista não é das piores, contudo, certos detalhes incomodam como a ausência de sensores traseiros de estacionamento e de comandos mais intuitivos para operar as funções do computador de bordo - que poderiam estar no raio esquerdo do volante, sem botões.

Bancos em tecido são confortáveis, mas a parte superior do encosto (próximo do apoio de cabeça) deveria ser mais para a frente.

Oito ou oitenta

Rodamos mais de 400km ao longo da semana com o novo C3 e as expectativas eram altas para conhecer a novidade francesa de perto. De imediato, o hatch surpreende pelo porte logo ao primeiro contato presencial; ao ver apenas as fotos, muitos acham que é um carro próximo a um Renault Kwid em tamanho, mas a realidade é bem diferente. Com 3,98m de comprimento e 1,58m de altura, o novo C3 fica na média dos compactos em tamanho e chega a ser mais alto do que muitos deles. Na verdade, ele passa modelos que são vendidos como SUVs como o irmão C4 Cactus (1,53m de altura) e o Fiat Pulse (1,57m), o que já deixa claro que não se trata de um carro miúdo.

Na hora de se acomodar para começar a direção, outras surpresas positivas: a visibilidade é ótima e o hatch oferece acomodações dignas de utilitário, com bancos que parecem "cadeirinhas" que permitem um ângulo de repouso em quase 90 graus para as pernas. O banco do motorista possui um amplo ajuste de altura que consegue abaixar ou levantar bastante, garantindo que motoristas de qualquer estatura possam se acomodar com decência e conforto; o mesmo vale para o volante, embora, ele só não seja melhor por não trazer ajuste de profundidade.

Tivemos a chance de estacionar ao lado de um Renault Kwid para evidenciar a diferença de porte.

Dada a partida, os sinais de cortes de custos começam a aparecer no novo C3: o painel de instrumentos é uma minúscula tela monocromática de LCD que traz indicador de marcha, velocímetro, marcadores de combustível e temperatura do arrefecimento, além das funções do computador de bordo; não há conta-giros, porém, dá para conviver com ela pelo funcionamento correto, apesar do aspecto pobre. A cabine é inteiramente em plástico e, no nosso carro testado, algumas poucas peças estavam mal encaixadas e com rebarbas aparentes - nada grave, mas que exige mais capricho na linha de produção.

A alavanca de câmbio foi feita para lembrar a sequência correta de parada dos carros automáticos: tirar do D para o N, ativar o freio de estacionamento e, só então, levar ao P e desligar o veículo. Se isso não for feito, a manopla ficará dura e o carro dará um "coice" assim que for colocado em D mesmo com o motorista pisando no freio. Falando em transmissão, sentimos uma falta de equilíbrio no comportamento: no modo normal, ela estica demais as marchas e, no modo Eco, passa cedo demais, condições que comprometem o consumo de combustível e/ou o desempenho do carro. Faltou um meio-termo, mas pelo menos o funcionamento da caixa é bom e suave, sem trancos.

Entre-eixos de 2,54m é um pouco maior do que em um Fiat Argo.

Pesando 1.152kg nessa versão, é evidente que o 1.6 aspirado dá conta do C3 com folga, entretanto, só é possível experimentar toda a desenvoltura do motor se utilizarmos o modo manual da transmissão: com a alavanca em D, basta movê-la para a esquerda e fazer as trocas na própria manopla. Para a condução normal, o hatch francês mostra que foi pensado totalmente para o conforto e, como não possui conta-giros, estimamos que o sistema troque de marchas entre 1.800 e 2.000rpm - no modo Eco.

A suspensão ajuda a reforçar essa ideia, mostrando que foi devidamente calibrada para nosso asfalto acidentado; todos os obstáculos da pista são superados sem dificuldade e sem incômodos de batidas secas, o que tem forte influência das rodas de 15 polegadas com pneus de perfil 65. Já o consumo de combustível segue a linha do câmbio, tendo dificuldades em encontrar um meio-termo; é alto com etanol e melhora consideravelmente com gasolina. Nossa média geral foi de 12,5km/l com os dois combustíveis juntos e ciclo misto. Esperávamos mais de um carro tão leve e sabemos que é possível conseguir médias melhores se o software do câmbio for revisto.

LEDs de luzes diurnas e de posição trazem desenho incomum que chama atenção.

Avaliação geral

Design: o novo C3 mudou bastante em relação ao seu antecessor, adotando elementos da atual filosofia de design da marca e combinando-os aos dos produtos da linha C-Cubed que terá seu novo integrante agora em 2023. A versão Feel Pack deixa o conjunto mais interessante com as rodas diamantadas, os LEDs na dianteira e as bases para rack, além do carro em si ter chamado atenção nas ruas por ainda ser figurinha rara. Não o achamos lindo e maravilhoso, mas não dá para dizer que é feio ou que falta harmonia. Nota: 7

Interior: assim como o exterior, a cabine do novo C3 é cheia de personalidade própria. O painel de instrumentos é extremamente simplório e inusitado, porém, cumpre seu dever, tal qual a central multimídia de 10 polegadas sem botões físicos e interface igualmente simples, mas funcional. Os bancos são confortáveis, porém, é preciso se inclinar para trás se quiser repousar a cabeça. Por fim, tirando os bancos, absolutamente tudo é em plástico. São muitos "poréns", mas nenhum deles é grave o suficiente para condenar o interior da novidade. Nota: 7

Mecânica: o motor 1.6 é veterano, contudo, mostra que está com fôlego e leva o C3 sem dificuldade. A transmissão é que, embora seja moderna, precisa melhorar o relacionamento com ele e mostrar um comportamento mais equilibrado em nome do consumo de combustível e, é claro, do desempenho. No mais, os freios a disco somente na dianteira e a suspensão traseira por eixo de torção nivelam o C3 aos demais compactos do mercado. Nota: 7

Tecnologia: a cifra que flerta com os seis dígitos traz uma lista de equipamentos com todo o mínimo de um carro atual e mais um pouco. A central multimídia é, sem dúvidas, o grande destaque, mas sentimos falta de algumas poucas coisas que já citamos em parágrafos anteriores. Para resumir, é uma lista boa, não ótima e, muito menos, ruim. Nota: 6

Conveniência: a chave não é presencial, mas traz abertura e fechamento remoto de janelas. Os quebra-sóis trazem apenas espelhos, sem iluminação individual; aliás, só há uma luz de cortesia na cabine, localizada na dianteira. Há três portas USB, sendo uma na frente e duas para quem vai atrás, contudo, as alças de teto não estão presentes. Mais uma vez, um tópico onde o novo C3 é equilibradamente "bom", sem pender para o ótimo ou o ruim. Nota: 6

Acomodações: os bancos são muito bons e há espaço decente para quatro adultos com uma criança no meio do assento traseiro. O banco do motorista oferece uma amplitude enorme para o ajuste de altura e o porta-malas de 315 litros é um dos maiores entre os hatches. Nota: 9

Funcionalidades: tudo no novo C3 funcionou perfeitamente, o tempo inteiro. O ar condicionado se destacou de maneira positiva pela rapidez com a qual refresca a cabine mesmo nos dias mais quentes, sem precisar apelar para as velocidades mais fortes do ventilador, mas o som tirará um ponto do total por ser exageradamente grave a ponto de incomodar - é necessário diminuir ao máximo a frequência grave no equalizador para poder ter um som aceitável, sem agredir os ouvidos. Nota: 9

Desempenho: como já falamos bastante desse tópico, vamos apenas resumir as impressões aqui. Basicamente, o 1.6 leva o C3 com bastante tranquilidade em qualquer circunstância, mas o câmbio automático precisa encontrar seu equilíbrio na hora de decidir como passará as marchas. A suspensão é excelente. Nota: 8

Segurança: o novo C3 ainda não passou pelo Latin NCAP, mas a expectativa não é nada boa. Além de ser construído sobre a plataforma CMP, a mesma utilizada pelo atual Peugeot 208 vendido no Brasil que tirou apenas duas estrelas no último teste (em 2021), o compacto deixa a desejar em itens de segurança, trazendo apenas os dois airbags frontais obrigatórios por lei, freios ABS, controles de tração e estabilidade. Pode ser que ele se saia melhor do que o primo da Peugeot por conta da estrutura diferente, entretanto, só o teste prático dirá. De todo modo, por não trazer nenhum mínimo recurso semiautônomo de segurança, não tiraria mais do que 3 estrelas mesmo que a carroceria fosse excelente - e não é.

Atualizado em 17/07/23 - o novo C3, enfim, passou pelo Latin NCAP e zerou o teste com ressalvas negativas a diversos pontos, principalmente, estruturais. Mediante os novos fatos, rebaixamos a antiga nota de 4 pontos. Nota: 0

Custo X Benefício: por R$96.990, o C3 Feel Pack é uma rara opção de carro "completinho" com câmbio automático por menos de 100 mil reais entre os 0km. Entrega um desempenho decente, sem grandes emoções, e um nível de consumo de combustível mediano - prefira a gasolina para ter médias entre boas e ótimas, pois a diferença é MUITO grande para o etanol nesse caso específico. É um carro bastante equilibrado, apto a levar famílias sem aperto e a ser um bom companheiro de garagem para as obrigações nossas de cada dia. Nota: 9

Avaliação final: 68/100

Emblemas no porta-malas mesclam acabamento cromado e em preto brilhante.

Considerações finais

Com a terceira geração do C3, a Citroën abriu mão do "glamour" do primeiro mundo para tentar obter sucesso com um carro mais adequado aos gostos e necessidades do consumidor brasileiro. Altinho, espaçoso e confortável, o compacto surpreende ao vivo e agrada bastante no uso diário, sem se destacar negativamente por nada. É claro que tem suas fraquezas como já mencionamos acima, mas não consideramos nenhuma grave o bastante para deixar de recomendar a compra.

No entanto, apesar dos predicados, o novo C3 ainda está bastante tímido nas vendas. Como o modelo não completou nem seu primeiro semestre de vendas, pode ser que ele ainda deslanche mais para a frente, a exemplo do Fiat Pulse que também começou tímido e, hoje, é um sucesso. Pode ser também que muitos não tenham se animado a conhecer o veículo pessoalmente pela "impressão" do tamanho diminuto nas fotos. Seja como for, o C3 tem potencial para agradar e, sendo um automático por menos de 100 mil reais, é um verdadeiro espécime ameaçado de extinção.


Concorrentes diretos (pela categoria hatch compacto automático): Fiat Argo Trekking, Volkswagen Polo Comfortline, Toyota Yaris XL, Hyundai HB20 Comfort 1.0 turbo AT


Ficha técnica

Motor: 1.6, 4 cilindros em linha, 16 válvulas, flex
Potência: 120cv (E) / 113cv (G) a 6.000rpm
Torque: 15,7kgfm (E) / 15,4kgfm (G) a 4.500rpm
Transmissão: automática de seis marchas
Tração: dianteira
Suspensão: independente na dianteira, eixo de torção na traseira
Freios: discos ventilados na dianteira, tambores na traseira
Direção: elétrica
Pneus: 195/65 R15
Comprimento: 3,98m
Largura: 1,73m
Entre-eixos: 2,54m
Altura: 1,58m
Peso: 1.152kg
Porta-malas: 315l
Tanque: 47l

0 a 100km/h: 10,9 segundos
Velocidade máxima: 180km/h


Matéria em vídeo



Fotos (clique para ampliar):