Em cima, Uno Ciao. Embaixo, Gol Last Edition. Foto: Divulgação |
O que seria impensável há alguns anos, finalmente aconteceu. Os dois hatches mais emblemáticos e longevos da história do mercado brasileiro se despediram sem previsão de retorno - ao menos, da forma como os conhecíamos. No final do ano passado, a Fiat encerrou oficialmente a carreira do Uno com a série especial Ciao e agora, em 2022, foi a vez da Volkswagen aposentar o Gol com a edição Last Edition, mesmo nome utilizado na tiragem de despedida do Kombi há alguns anos.
O compacto italiano se despediu após 37 anos de produção ininterrupta, divididos entre duas gerações e uma enorme lista de versões, edições especiais, configurações e etc. Já o Gol se retira após 42 anos e ainda mais gerações, variantes diferentes e muitas histórias para contar. Reforço isso para lembrar do peso que esses nomes tiveram e ainda têm na vida do brasileiro, fazendo parte da trajetória de centenas de milhares de famílias que, se já não tiveram os dois na garagem mais de uma vez, ou foi um, ou outro.
Ainda assim, as edições ditas "especiais" que marcam as despedidas de ambos ficaram, ao meu ver, muito abaixo da expectativa e pior: muito aquém do que dois carros tão importantes mereciam e eu vou dizer o porquê.
Vou começar pelo Uno Ciao por ter sido o que chegou primeiro. Foi em Dezembro de 2021, já nas bocas da virada, que a Fiat apresentou a série de despedida do compacto limitada a 250 unidades e preço tabelado em R$84.990 que logo se transformaram em mais de 100 mil reais nas mãos de concessionárias estupidamente gananciosas e revendedores ávidos por dinheiro fácil. O Uno Ciao veio exclusivamente na cor metálica Cinza Silverstone com rodas aro 14 escurecidas, plaqueta de identificação com o número da unidade, rádio com Bluetooth, acabamento interno com predominância do preto e outros detalhes decorativos.
Debaixo do capô, o Uno Ciao trouxe o velho veterano 1.0 Fire aspirado flex de até 75cv e 9,9kgfm com câmbio manual de cinco marchas. Em suma, o Uno limitado e especial de despedida traz itens estéticos que podem ser replicados sem muita dificuldade por alguém que tenha mais paciência e, para piorar, saiu com o motor mais fraco que ele poderia ter. Por que não trazer de volta o moderno 1.3 Firefly já adaptado para o Proconve L7 ou, quem sabe, o 1.0 turbo que estreou no Pulse, fazendo dele uma despedida memorável com uma mecânica única? Ainda seria um Uno bem caro, mas pelo menos teria algo que o tornaria realmente especial e que não seria tão fácil de replicar mundo afora.
Passando para o Gol Last Edition, a situação não é muito diferente. Ele deu as caras oficialmente no mês passado por R$95.990, sendo que terá 650 unidades para o Brasil e o resto para países vizinhos. Assim como o Uno Ciao, o Gol Last Edition já sofreu os efeitos dos oportunistas que correram para adquirir um exemplar com o único intuito de revender para obter lucro fácil; sem demorar muito, é possível encontrar unidades anunciadas por mais de 100 mil ou até mesmo 150 mil reais, valor próximo ao do lance final do leilão feito pela própria marca do carro 0042, em alusão aos anos de produção do compacto, que acompanha um NFT e outras benesses.
Todas as unidades saem na cor Vermelho Sunset, apliques plásticos nos para-lamas, detalhes em preto brilhante e todos os equipamentos que eram opcionais no pacote Urban - central multimídia, rodas aro 15 (aqui, escurecidas), faróis de neblina, trio elétrico, entre outros. Debaixo do capô, adivinha: o 1.0 aspirado flex da família EA211 que gera até 84cv e 10,4kgfm, sempre com câmbio manual. Assim como o Uno, o Gol Last Edition traz elementos estéticos facilmente replicáveis e uma mecânica sem absolutamente nada de especial. Como o 1.6 MSI não seria possível por causa do Proconve L7, por que não adotar, no mínimo, o 1.0 TSI?
Com números de performance tão próximos aos do 1.6 MSI, o 1.0 turbo recalibrado para as novas normas de emissões não exigiria grandes mudanças e permitiria o uso de transmissões que já estão "na prateleira", ou seja, seria uma receita praticamente pronta com todos os ingredientes a postos. O 1.4 TSI, por outro lado, pediria mudanças que encareceriam demais e deixariam a operação inviável: freios a disco nas quatro rodas, câmbio AQ250 e outras coisas. Por conta disso, o 1.4 turbo se mostra mais "viagem na maionese" e reforça que o 1.0 turbo seria o candidato perfeito para fazer um Gol de despedida realmente especial, único.
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Para resumir a história: os dois hatches mais importantes da história automotiva brasileira se despedem com edições que, no final das contas, se tornaram meros souvenirs dos oportunistas. Não possuem quaisquer características que as tornem realmente memoráveis com algo que dificilmente seria replicado no "mundo real", apenas adereços estéticos. Ainda assim, os preços de tabela foram bem acima das versões normais e, como é de se esperar, aumentarão cada vez mais conforme os exemplares adquiridos pelos gananciosos apodrecem em suas garagens. Afinal de contas, se o carro for minimamente usado, ele sabe que não terá a mesma vantagem do coleguinha que usou menos para poder vender mais caro.
Você pode até não ser fã do Uno ou do Gol, sequer precisa gostar deles, entretanto, não há como negar a relevância que eles conquistaram pelos anos de serviço e o enorme volume de unidades comercializadas ao longo do tempo. Também não há como negar que tanto a Fiat quanto a Volkswagen, aparentemente, não aprenderam a dizer adeus, talvez por não quererem se despedir ou, quem sabe, pela lei do menor esforço (e do maior lucro).