Texto e fotos por Yuri Ravitz
Modelo cedido por Renault do Brasil
Nosso exemplar de teste veio na nova cor Cinza Lune que custa R$2.000 à parte. |
Todo mundo achou que a Renault havia esquecido do Oroch, a picape derivada do antigo Duster que abriu o caminho para o Fiat Toro no segmento das picapes intermediárias e que acabou sendo totalmente ofuscada pelo rival italiano. Já fazia um bom tempo que o utilitário franco-romeno não recebia atualizações significativas, mas isso mudou agora em 2022 com sua primeira reestilização apresentada há alguns meses.
A linha 2023 trouxe algumas novidades e consolidou a separação definitiva do Duster; não houve uma troca de geração como no SUV, contudo, tanto ele quanto o Captur cederam alguns recursos para contribuir na requentada da picape. Recebemos um exemplar da nova versão Outsider, a mais cara e que concentra a maior parte das mudanças, para avaliarmos por uma semana.
Não muita coisa. Por fora, apenas o para-choque dianteiro, a grade, jogo de rodas e as lanternas são novos. Grade e para-choque foram redesenhados e as lanternas trazem máscara negra em preto brilhante; as rodas, por sua vez, são as mesmas da versão Intense, mas com acabamento diamantado que é exclusivo da versão Outsider. Também pertencem unicamente a ela os muitos apliques plásticos nos para-lamas e para-choque dianteiro, bem como o santo-antônio e a capota marítima.
Por dentro, as alterações foram bem mais perceptíveis. A cabine é fortemente inspirada na do novo Duster, porém, com toques próprios como a central multimídia no estilo "flutuante", posicionada no topo do console central, e o cluster de instrumentos que é o mesmo do Captur. O Oroch também ficou ligeiramente mais equipado, entretanto, não trouxe nenhuma das novidades significativas introduzidas nos irmãos.
Assim como no novo Duster, o Oroch 2023 restringe a oferta do motor turbo a apenas uma versão. A Outsider é a única da gama a trazer o novo 1.3 TCe turbo flex de quatro cilindros, capaz de gerar até 170cv e 27,5kgfm, aliado a uma caixa automática do tipo CVT que conta com simulação de oito marchas no modo manual. É o único conjunto mecânico disponível para a versão Outsider e é, também, a única versão do Oroch 2023 com câmbio automático; as demais mesclam o conhecido motor 1.6 SCe aspirado a um câmbio manual de cinco marchas.
Antigamente, a mecânica mais forte para o Oroch era composta pelo finado motor 2.0 aspirado de até 148cv e 20,9kgfm e câmbio automático de quatro marchas. Comparando as versões top de linha, a picape ficou 57kg mais pesada do que a pré-facelift, todavia, apresenta relações peso X potência e peso X torque bem melhores por conta do novo motor, reduzindo o 0 a 100km/h em cerca de 1 segundo, realizando retomadas mais rápidas e, principalmente, melhorando o consumo. Nossa média geral com gasolina no tanque e percurso misto ficou na casa dos 12,5km/l.
Pelo preço de R$142.900, a versão Outsider é a mais cara e a que reúne todas as novidades da picape. A lista de itens de série contempla recursos como: controles de tração e estabilidade, airbag duplo, direção eletro-hidráulica, luzes diurnas, faróis de neblina e de milha (longo alcance), central multimídia com tela de 8", volante com comandos-satélite do rádio, ar condicionado digital, rodas de liga leve aro 16, sensores crepuscular e de chuva, sensores traseiros de estacionamento, câmera de ré, computador de bordo e capota marítima em lona.
Ao se comparar a lista de equipamentos da nova Outsider com a da variante Dynamique, antiga top de linha, as novidades são pouquíssimas e frustram diante do preço e, principalmente, de todo o tempo em que a picape ficou sem receber alterações significativas. Basicamente, elas se limitam ao ar condicionado digital, sistema multimídia e os controles de tração e estabilidade. A Renault insiste em oferecer meros dois airbags frontais quando já deveria ter adotado as bolsas laterais que existem até no Kwid, ou as câmeras em 360º que estrearam na segunda geração do Duster que avaliamos no final de 2020, dentre outras coisas.
Rodamos cerca de 500km com o Oroch reestilizado para 2023 e, a essa altura do texto, você já deve imaginar o veredito: a grande (talvez, a única) estrela da atualização de meia vida é, sem dúvidas, o motor turbo. Entregando todo seu torque já aos 1.600rpm, a picape se movimenta muito melhor do que a antiga 2.0, porém, o câmbio CVT ainda fica devendo em esperteza: em velocidades e rotações mais baixas, não parece que há um motor turbo cheio de força debaixo do capô. Há o recurso das oito marchas simuladas que podem ser trocadas pela própria alavanca, o que melhora o desempenho, mas sacrifica o consumo.
O que continua sendo um ponto alto do Oroch e melhorou na nova linha é o comportamento em pisos ruins. A picape enfrenta todos os obstáculos e defeitos com bastante competência e, graças aos pneus de uso misto, consegue vencê-los com ainda mais facilidade do que os modelos anteriores. Os novos pneus também a deixam apta a se aventurar levemente fora do asfalto, embora, não dá para entender o porquê da Renault não oferecer tração integral seletiva no Oroch brasileiro como faz em outros países. Seria um diferencial interessante e um apelo a mais diante dos potenciais clientes.
Pneus de uso misto ficariam perfeitos com um sistema de tração integral seletiva. |
No restante, a repaginada na cabine tenta agradar e trazer um ar de "novo" ao ambiente, porém, o cluster de instrumentos vindo do Captur e o espaço traseiro ínfimo denunciam a idade real do utilitário. Ao menos, o visual geral ficou um pouco mais interessante com os muitos elementos vindos da cabine do atual Duster: saídas de ar condicionado, folhas de porta, comandos diversos, volante... Tudo veio do SUV e passa uma impressão muito melhor do que a cabine dos modelos pré-facelift.
O visual da versão Outsider também chamou atenção positivamente pelo estilo off-road que, junto da nova cor Cinza Lune do nosso carro de teste, arrancou elogios de quem o olhava. O fato de vir com base para racks de teto, santo-antônio, capota marítima e protetor de caçamba de série conta pontos positivos e maximiza as possibilidades de uso, mas ainda não consegue esconder a idade de um carro que precisava ter recebido mais novidades para representar um bom custo X benefício.
Design: analisando apenas a versão Outsider, achamos o conjunto geral bastante atraente, especialmente na nova opção de cor. Analisando o Oroch como um todo, a picape nunca foi a mais harmoniosa da praça e a reestilização não mexeu em quase nada. Deveria ter mudado mais. Nota: 4
Interior: a cabine do Oroch chegou a mudar mais do que o exterior, mas só no visual. Continua pecando em ergonomia e outros pontos cruciais. Ficou mais bonita, apenas. Nota: 5
Mecânica: tudo o que dissemos na avaliação do Duster 1.3 turbo vale para o Oroch com o mesmo motor, afinal, a mecânica é a mesma. A picape tem o diferencial positivo da suspensão independente na traseira, portanto, pontuará mais. Nota: 8
Tecnologia: a lista de equipamentos da versão top de linha da picape não condiz com o posicionamento e, principalmente, com o preço. Basicamente, o único recurso de modernidade presente é o espelhamento sem fio para smartphones. Pecaram bastante nesse aspecto. Nota: 3
Conveniência: não há chave presencial, abertura e fechamento remoto das janelas, partida remota e outras benesses. Há porta-revistas atrás dos bancos e luzes de cortesia para todos, além de espelhos nos quebra-sóis e um amortecedor para sustentar o capô ao invés da tradicional vareta, um mimo raríssimo e bem-vindo. Em contrapartida, a tampa da caçamba é pesada e não tem nada que facilite seu manuseio. Pontuaria mais baixo do que o Duster, mas a fartura de acessórios de carga disponíveis de série equilibrará o jogo. Nota: 5
Acomodações: os bancos são bons, não ótimos. A parte superior dos assentos dianteiros ainda é muito para trás, o que obriga o ocupante a manter-se forçadamente inclinado se quiser usar o encosto de cabeça. Há apoio de braço para o motorista, mas faltou o ajuste de profundidade do volante. O espaço traseiro é pífio e só há uma porta USB em todo o interior, além de não haver saídas traseiras de ar condicionado. Resumidamente, o Oroch só pensa (e pouco) nos ocupantes da frente. Nota: 3
Funcionalidades: tudo funcionou no Oroch 2023 o tempo todo, contudo, notamos algo que não deveria ter acontecido, embora não seja nada grave. A lâmpada do farol esquerdo que atua como luz diurna e de posição queimou na metade do teste. Não é normal uma lâmpada queimar em um carro tão novo, mas é algo de solução fácil e barata - basta ser trocada. Nota: 9
Desempenho: quase tudo o que dissemos para o Duster turbo vale para o Oroch turbo. O quase fica por conta da transmissão, pois tivemos a nítida impressão de que a caixa tem um comportamento mais "amarrado" na picape do que no SUV, chegando a deixar a condução urbana deveras preguiçosa. Na estrada, a história é outra - para melhor. Nota: 9
Segurança: o Oroch jamais passou por um crash test desde que foi lançado em 2015, portanto, tomaremos o Duster antigo como base, uma vez que a estrutura do habitáculo é a mesma - excetuando-se a caçamba, é claro. Ainda em 2015, o SUV passou pela avaliação do Latin NCAP e saiu com quatro estrelas para adultos e duas para crianças. Segundo o relatório resumido do teste, a pontuação foi a mínima necessária para as quatro estrelas e a estrutura foi considerada instável, incapaz de suportar cargas maiores. De lá para cá, o protocolo ficou bem mais rígido e, para piorar, o Oroch 2023 não traz absolutamente nenhum recurso semiautônomo de segurança. Adotou os mais do que atrasados controles de tração e estabilidade, porém, não oferece nada além disso. Se o novo Duster, que melhorou a estrutura e evoluiu a plataforma, zerou o último crash test realizado em 2021, o que esperar do Oroch que não passou de um tapa no visual? Nota: 0
Custo X Benefício: por R$142.900, o Oroch Outsider é 900 reais mais caro do que o Fiat Toro na versão Endurance Turbo 270, a mais barata da linha e também equipada com motor 1.3 turbo de maior potência máxima, mas o mesmo torque e com câmbio automático convencional ao invés de CVT. Mesmo sendo de entrada, o Toro tem uma lista melhor de equipamentos, deixando de fora apenas algumas minúcias presentes no rival, e acomoda a todos com muito mais conforto. Do outro lado, o Oroch Outsider é 15.010 reais mais caro do que o Strada na versão Ranch, a top de linha; a italiana deve em desempenho com seu 1.3 aspirado, entretanto, é muito mais econômica e, novamente, entrega mais equipamentos do que a franco-romena. Diante de tudo isso, nós só indicamos o Oroch se você faz questão dos acessórios de carga e pensa em sair do asfalto de vez em quando. Se é para ser o carro principal da família e você precisa de desempenho, vá de Toro; se prefere economia, vá de Strada. Nota: 3
Avaliação final: 49/100
Ao final do teste, mais uma vez, a impressão que fica é de que a Renault perdeu uma grande oportunidade de fazer muito mais do que poderia. Assim como o Duster, o Oroch 2023 não condiz com o dito plano "Renaulution" apresentado pela marca no início do ano passado, voltado a aumentar a lucratividade da empresa com produtos mais modernos e alinhados com os demais mercados onde ela atua. Com exceção do novo motor, a picape não traz, absolutamente, nenhum outro ponto forte que justifique sua compra perante os rivais.
Renaulution é uma brincadeira que une as palavras Renault e Revolution - revolução em inglês. O problema é que nenhum dos lançamentos apresentados desde o início do novo plano estratégico trouxe a revolução anunciada. A picape atualizada manteve algumas qualidades como o ótimo desempenho mesmo em asfalto acidentado, mas não vai além disso. Na verdade, considerando o cenário atual (que receberá um modelo novo e altamente competitivo muito em breve com o retorno do Chevrolet Montana), a Renault deixou bastante a desejar e fez do Oroch 2023 a triste realização da expressão "mais do mesmo".
Concorrência: Fiat Toro Endurance Turbo 270 ou Strada Ranch
Motor: 1.3 turbo, 4 cilindros em linha, 16 válvulas, flex
Potência: 170cv (E) / 162cv (G) a 5.500rpm
Torque: 27,5kgfm (E/G) a 1.600rpm
Transmissão: automática CVT com oito marchas simuladas
Tração: dianteira
Suspensão: independente nas quatro rodas
Freios: discos ventilados na dianteira, tambores na traseira
Direção: eletro-hidráulica
Pneus: 215/65 R16
Comprimento: 4,71m
Largura: 1,83m
Entre-eixos: 2,82m
Altura: 1,63m
Peso: 1.432kg
Caçamba: 683l
Carga útil: 650kg
Capacidade de reboque com freio/sem freio: 750kg
Tanque: 45l
0 a 100km/h: 9,5 segundos
Velocidade máxima: 190km/h
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