Imagem: Yuri Ravitz |
Os carros podem ser muitas coisas: objetos de coleção, meros meios de transporte, hobby, moedas de troca, entre outros. Acontece que, antes de tudo isso, eles são produtos e todos são pensados para atingir um certo público-alvo com necessidades X ou Y. Todo veículo é projetado para saciar alguma(s) condição(ões) do possível comprador e, para isso, ele precisa dispor de determinadas características que aquele público procura.
Acontece que nem todo produto é tão bem pensado quanto deveria. Alguns carros, por melhores que sejam, simplesmente não fazem sentido de existir e/ou não conseguem cumprir com as expectativas de seus fabricantes, ficando muito aquém das metas de vendas e, na maioria dos casos, se despedindo do mercado antes do previsto. Neste artigo, nós separamos alguns modelos atualmente oferecidos no Brasil que, na nossa opinião, não fazem o menor sentido.
Você pode não se lembrar dele, mas o Honda CR-V ainda é vendido no Brasil e foi atualizado há pouco tempo. A quinta e última geração do SUV foi lançada no mercado internacional em 2016 e chegou ao nosso país dois anos depois importada da América do Norte, o que já o deixou defasado diante dos rivais. Além disso, as novas arquiteturas eletrônicas e mecânicas encareceram o modelo a ponto de deixá-lo fora da faixa de preço dos concorrentes diretos, o que afastou muitos possíveis clientes.
Para piorar, a Honda brasileira repetiu o mesmo erro do lançamento do Mk V: demorou outros dois anos para trazer o facelift para cá. Diante do caótico cenário mundial causado pela pandemia de COVID-19, o SUV médio chegou por proibitivos R$264.900, muito mais caro do que todos os seus rivais diretos, encostando no segmento dos SUVs premium. Sem ter nenhum grande avanço tecnológico ou mecânico diante dos adversários, o japonês empacou e não deverá durar muito tempo no Brasil.
Antes da moda dos SUVs chegar com força total, o mercado brasileiro viu o nascimento e a ascensão dos subcompactos. Começou em 2014 com o Volkswagen Up! (que já se despediu oficialmente) e, na sequência, vieram os inéditos Fiat Mobi em 2016 e Renault Kwid fechando a porteira em 2017. Falando do segundo integrante, ele é um derivado da segunda geração do Uno com o qual divide motor, transmissão e plataforma, mas em uma carcaça reduzida e um pouco mais leve que nasceu para tentar embarcar no novo segmento.
O problema é que o Mobi só faria real sentido se o Uno tivesse saído de linha, o que não aconteceu. O Uno sempre custou pouca coisa a mais e podia ser bem mais equipado, além de ser mais espaçoso, ter mais opções de motores e mais recursos tecnológicos e de segurança. Apesar dessa falta de sentido, o Mobi caiu nas graças do mercado (principalmente das empresas) e segue em linha até hoje, inclusive com mais versões do que o Uno - que deverá sair de cena até o fim do ano.
Os SUVs estão em alta no mundo todo e em todos os segmentos, o que fez boa parte dos fabricantes do planeta sonharem com pelo menos um modelo desse tipo em seu portfólio, até mesmo os que nunca pensaram em fabricar um. Alguns já tinham suas cartas em jogo mas nunca conseguiram grandes coisas - é o caso da Volkswagen do Brasil e o Tiguan, seu SUV médio que nunca emplacou. Apesar disso, a alemã insistiu e trouxe a segunda geração para cá que, novamente, por melhor que fosse, nunca deslanchou.
Para tentar mudar isso, ela lançou o inédito Taos que chegou para ser uma espécie de "SUV do Jetta" - como já era o Tiguan. O problema da história toda é que o Tiguan Mk II não emplacou por ser importado, ter um mix de versões muito limitado e um valor de acesso desinteressante diante dos rivais - exatamente os mesmos problemas do Taos. O Tiguan ainda tinha o diferencial dos sete lugares, o que não foi o suficiente para cativar os compradores que a marca esperava. Se o Taos fosse fabricado aqui, a história poderia ser bem diferente, mas sendo um carro muito semelhante ao Tiguan e tendo os mesmos pontos fracos de seu antepassado, tudo indica que também terá o mesmo destino em pouco tempo - o limbo.
Se você acompanha a mídia automotiva com frequência, com certeza conhece a expressão "mercado emergente". Ela é utilizada para se referir a países que estão em desenvolvimento e que começaram a exigir mais dos carros comercializados ali: mais segurança, mais tecnologia, mais eficiência, mais "tudo". Tal classificação faz com que as montadoras desenvolvam alguns produtos bastante peculiares para esse tipo de região (como o Brasil) e o Ford Territory é um desses produtos.
Visando reduzir custos e ganhar espaço no segmento dos SUVs médios, a americana teve a ideia de desenvolver um modelo inédito com identidade própria baseado em um outro já existente. O problema é que o tal "outro" é um chinês defasado de 2016 do qual o Territory herdou muito de seu visual, o motor e a transmissão - que são apenas suficientes para o carro. Não foi uma ideia inteligente para um mercado que ainda guarda forte preconceito com produtos chineses e, nos tempos globalizados em que vivemos, não demorou para que os consumidores descobrissem e evitassem o novato.
Ainda falando de produtos dedicados a mercados emergentes, a Honda também tem um emergente para chamar de seu: o WR-V. Nascido como uma mistura de hatchback com SUV compacto (que alguns chamam de crossover), a ideia do WR-V era preencher a lacuna que existia entre o Fit e o HR-V, uma vez que o HR-V sempre esteve entre os mais caros de sua categoria e, diante de seu sucesso, a marca achou que poderia repetir o feito no andar um pouco mais abaixo com outro produto.
O problema é que o WR-V é, sem fazer rodeios, esquisito. É pequeno demais para ser um SUV e alto demais para ser um hatch, o que faz dele um carro desengonçado que não convenceu o público e não chegou nem perto de repetir o sucesso do HR-V. Diante disso, a grande maioria prefere pagar um pouco mais e partir para o HR-V de entrada ou economizar e levar o Fit, o que deixa o WR-V em uma desconfortável posição de carro sem sentido algum - embora ele tenha suas qualidades.
Quando você lança sua empresa no mercado, é imprescindível ter uma ideia exata de onde deseja atuar para não se perder e passar uma mensagem errada para seu público-alvo. Desde o princípio dos tempos, a Toyota quis se posicionar como marca premium no mercado brasileiro e assim viveu por longos anos até decidir lançar o Etios, um compacto popular que queria bater de frente com nomes consagrados na categoria e difundir os atributos da marca Toyota entre um público com menos poder aquisitivo. Deu certo por um tempo, mas não durou muito e o Etios já se despediu em definitivo do nosso país.
A segunda tentativa da divisão brasileira da marca nesse sentido foi com o Yaris, mas não o famoso compacto nascido no final dos anos 90 com qualidade internacional e atuação nos mercados norteamericano e europeu, e sim a variante indiana e bem mais barata, pensada para mercados emergentes e montada na mesma plataforma do Etios. Embora seja uma variante de menor custo, sua faixa de preço faz boa parte dos possíveis compradores olharem os rivais ou, no caso do tradicional cliente Toyota, partir logo para o Corolla, o que deixa o Yaris nas últimas posições dos rankings de carros mais vendidos. Para uma marca que deseja ser vista com luxo, tentar se popularizar não é a melhor das alternativas para aumentar a lucratividade.
Algumas promessas demoram tanto para se concretizar que, quando finalmente acontecem, já não fazem mais sentido. A coreana Kia prometia trazer o compacto Rio para o Brasil desde 2016, último ano de sua terceira geração. O tempo passou e nenhum sinal de comercialização dele foi dado, até que a marca decidiu mostrá-lo no Salão do Automóvel de 2018 para medir as reações do público; na ocasião, o modelo exposto já era o da quarta e atual geração, lançada um ano antes em Paris.
Mais dois anos se passaram e, então, foi só em 2020 que o Rio finalmente chegou ao Brasil. Importado em duas versões, ele veio com o mesmo conjunto mecânico do HB20 composto pelo conhecido motor 1.6 aspirado flex (família Gamma) com câmbio automático de seis marchas, além de um bom pacote de itens. O problema é que ninguém deu a mínima para ele, pois todos os rivais diretos são fabricados no Brasil e contam com pacotes mecânicos/tecnológicos mais atraentes na mesma faixa de preço, o que fez o Rio ser figura raríssima nas ruas.
Há determinados casos em que uma versão específica de um modelo X ou Y faz tanto sucesso que passa a ser comercializada como um outro modelo independente, recebendo tratamento diferenciado pela marca e sendo vendida de um jeito especial. De vez em quando isso faz sentido, mas o que a Renault fez com o Stepway foi bastante estúpido. Antes uma versão pseudo-aventureira do compacto Sandero, o Stepway passou a ser comercializado como um carro próprio, inclusive com versões dentro da sua gama e configurador individual no site.
O problema é que a Renault o categoriza como um SUV e, para piorar, seus preços são ridiculamente próximos aos do Duster - muito mais SUV do que o Stepway que, sendo um Sandero, não deixou de ser nada além de um hatch compacto. Com um motor "ok" que ainda não abriu mão do tanquinho de partida a frio em pleno 2021 e um pacote tecnológico sem nada de extraordinário, o Stepway se tornou uma das compras menos inteligentes que alguém pode pensar em fazer. A impressão que fica é a de que a Renault quer fazer o Duster parecer mais vantajoso - e isso ela consegue.