terça-feira, 14 de setembro de 2021

Clickbait; como e porque a mídia engana o leitor para conquistar audiência

Por Yuri Ravitz

Clickbait vem do inglês para "isca de cliques". Foto: Neil Patel

A internet é uma ferramenta maravilhosa. Ela globalizou a informação, democratizando nosso acesso a ela e permitiu uma pluralização cultural jamais vista antes pela humanidade, tudo em uma rapidez tão tremenda que, ao meu ver, ainda não conseguimos lidar com todo esse universo digital com sabedoria e a devida cautela. É simples: qualquer um pode acessar qualquer coisa, de qualquer lugar, a qualquer momento. Qualquer pessoa munida de um dispositivo transmissor apropriado e uma conexão minimamente estável pode se transmitir para todo o planeta instantaneamente e falar o que quiser, como quiser e de onde quiser. Já parou pra pensar nisso?

É fantástico, grandioso, inovador, ousado, perigoso... É um misto de sentimentos que, por vezes, acaba instigando nossos impulsos mais elementares. Se todo mundo pode fazer tudo, aqueles que desejam se sobressair precisam pensar em algo diferente - mesmo que seja estúpido, imoral, ilegal... É como se a busca desenfreada pela realização de um sonho (ou apenas um desejo oportuno) fizesse o ser humano aceitar abrir mão de tudo que o faz, efetivamente, um cidadão consciente. É como ver os escândalos e "pagações" de mico costumeiros da televisão, mas em uma escala muito maior e mais intensa. Das dancinhas tolas dos aplicativos de vídeos curtos (famigerados Shorts) ao conteúdo apelativo sem compromisso com a verdade, ou pior: intencionalmente elaborado para ludibriar e distorcer um fato.

"Aos 5 milhões de views, eu morro". Foto: Netflix

A doce ilusão da fama se tornou um sonho mais acessível com a internet e, para alcançá-lo, todo mundo parece estar disposto a fazer qualquer coisa, ainda que esses mesmos indivíduos inescrupulosos não gostem que tais coisas sejam feitas com eles. Ao invés de dinheiro, esses indivíduos buscam pelo pagamento mais valioso e cobiçado desde os primórdios dos tempos digitalizados: os cliques. O simples ato de um acesso intencionado a um link se tornou a nova droga que alimenta os egos e as fantasias mais sórdidas de vidas carentes de um propósito real, coletivo, cujo único objetivo é saciar o apetite sem fim originado na antiga ideia de que fama é sinônimo de sucesso.

O crescente valor dos cliques levou ao surgimento dos caça-cliques - o termo mais famoso é "clickbait" que, como citei na legenda da primeira imagem, significa "isca de cliques". A ideia é exatamente essa: se os internautas navegam como peixes em busca de algo na web, os caçadores de cliques são pescadores que elaboram as iscas mais tentadoras e, na maioria das vezes, inocentes em um primeiro momento. Os caçadores de cliques têm como único objetivo obter sua tão sonhada esmola virtual, não importando se ela vem de um consumidor assíduo daquele conteúdo ou de um mero visitante que, muitas vezes, não dá a mínima para aquele esforço de produção - ele apenas caiu na rede e logo sairá, sem hesitar. Consumado o CLIQUE, nada mais importa.

O sonho dourado de todo caçador de cliques. Foto: reprodução

Se o CLIQUE é tudo o que importa, então nada mais importa. A produção, o investimento, o esforço e o leitor são apenas meios para se obter cada vez mais cliques e, assim, sustentar uma bola de neve que nunca para de crescer. O pior de tudo é que, normalmente, os caça-cliques atuam sempre da mesma forma desleixada e, ainda assim, continuam livres para atuar sustentados pelos (nem sempre) incautos consumidores daquela porcaria disfarçada de tesouro por uma isca atraente.

Como os caça-cliques funcionam? Jogando com sentimentos como curiosidade, amor, ódio, humor, entre outros. As formas mais frequentes de caça-cliques são as chamadas tendenciosas dos jornais online, as capas polêmicas dos vídeos no YouTube, os títulos genéricos terminados em "você não vai acreditar" ou "olha no que deu" e outras coisas tão estúpidas quanto. Você, assim como eu, já caiu em muitas dessas iscas e provavelmente não deu tanta importância para o fato de ter sido atraído por uma chamada tendenciosa; o problema é que, com o tempo, isso incentiva o caçador de cliques a continuar e a apelar cada vez mais.

Foto: Leadlovers

Há pouco tempo eu estava navegando pelo YouTube na procura de vídeos de um carro que iria avaliar quando, em um dado momento, me deparei com a chamada de um canal brasileiro grande e poderoso que prometia "contar algo que ninguém jamais contou" sobre aquele modelo. Já com um pé atrás, mas querendo acreditar que uma produtora de tal porte não apelaria para um recurso tão infantil, eu cliquei no vídeo e assisti os quase 8 minutos da produção sem pular um segundo. De fato, constatei o que estava escrito na chamada: ninguém jamais contou aquele algo sobre aquele carro... Nem mesmo eles que não falaram nada que qualquer outro canal já não tivesse falado. O vídeo em si não estava ruim, mas fiz questão de deixar meu "descurtir" pelo clickbait falso e desnecessário - ainda mais para uma empresa tão grande.

Outro dos clickbaits que mais me chamaram atenção nos últimos tempos veio de um dos maiores portais automotivos do Brasil e, novamente, me trouxe a decepção de ver uma produtora grande apelando para algo tão imbecil. A chamada da matéria era "Civic Sedan com motor 1.0 começa a ser vendido em Agosto" e a matéria, obviamente, não estava assinada por ninguém. Até o incauto leitor saber que se tratava de um motor 1.0 turbinado (muito superior a um aspirado) e que isso não seria no Brasil, ele já tinha clicado e acessado a matéria para deixar sua indignação registrada nos comentários ao ver a notícia de um sedan médio no Brasil movido por um motor de enceradeira - pois muitos brasileiros ainda acham que desempenho tem a ver unicamente com cilindrada. A jogada do site foi moralmente podre, mas estatisticamente genial e surtiu efeito com centenas de comentários e milhares de acessos.


Por que tanta gente apela para os clickbaits?

Porque é uma forma simples, eficiente e gratuita de alavancar a audiência de qualquer mídia - seja um site, canal, página, o que for. Basta uma chamada composta por elementos polêmicos estrategicamente selecionados e organizados para atrair duas, três ou até dez vezes mais audiência se comparar a uma outra mídia com uma chamada comum. Isso se tornou muito mais frequente nos últimos anos, em tempos de extrema polarização política e discussões acaloradas na internet em que os influenciadores e a grande mídia usam e abusam dos caça-cliques para verem suas publicações alcançando muito mais pessoas.

O maior problema disso é que, normalmente, o clickbait é pensado para influenciar a opinião do leitor, levando-o a realizar um pré-julgamento sobre o assunto em questão e acessar aquele conteúdo inflamado por suas emoções contra ou a favor daquele tópico. É irônico pensar que, numa época onde nunca se falou tanto em combater os pré-conceitos, os principais militantes dessa pauta são, muitas vezes, os primeiros a exercer práticas que levam ao pré-julgamento de indivíduos e assuntos que sejam contra suas ideologias pessoais, o que escancara (mais uma vez) a imoralidade e a cretinice da prática do clickbait.

"Você ficará em choque!" Foto: reprodução

O clickbait pode ser usado de forma inocente e positiva?

Claro que sim. Tudo na vida tem dois lados e com o clickbait não é diferente. Você pode, por exemplo, publicar um conteúdo com uma chamada misteriosa sobre uma novidade em seu canal - uma espécie de teaser sobre algo que virá, visando aguçar a curiosidade e expectativa do seu público sobre um acontecimento real e isento de opiniões. Faço muito isso no Instagram do VR e é uma prática interessante, pois deixa as pessoas ansiosas pelo que vem a seguir, quase tanto quanto um fã de uma série ansioso pelas próximas temporadas.

Tenha em mente que o "clickbait inocente" nunca buscará influenciar suas emoções de amor ou ódio, e aqui já fica uma dica valiosa para você não ser pego novamente. Vídeos com títulos ou capas do tipo "é o melhor XXX do mercado?" ou "é o pior?", por exemplo, externam a opinião pessoal de quem está publicando e a pergunta é feita para confrontar a ideia do espectador que, tomado pela curiosidade, fornecerá o tão almejado clique para aquela mídia. Pode parecer algo sem importância e isso também é proposital, pois, se fosse descaradamente nocivo, seria muito menos eficiente.

O clickbait é um fomentador da polarização ideológica. Foto: reprodução

Em suma: o "clickbait do bem" é aquele que não leva ao conflito e que não incentiva a polarização. Embora o ato de debater seja saudável e necessário, tal debate nunca pode ocorrer com desrespeito e ignorância - elementos que normalmente se fazem presentes em conteúdos cujos consumidores foram atraídos por algum tipo de caça-clique tradicional. Vivemos uma época onde as pessoas se atacam e se ofendem gratuitamente ao menor sinal de divergência de ideias, então, não precisamos piorar isso. Você, produtor de conteúdo, não precisa desse recurso para atrair/reter seu público ;)